Centro de Estudos Sociais
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18-04-2002        Visão
Verdadeiramente só agora, depois da tomada de posse do novo Governo, começa o novo ciclo do poder local e o XIII Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses marca simbolicamente esse começo. Este é, pois, o momento oportuno para reflectir sobre o passado recente e o futuro do poder local, sobretudo ao nível municipal. Após o 25 de Abril, as autarquias locais foram investidas das mais ambiciosas expectativas democráticas. Esperava-se que, ao nível das autarquias, o exercício do poder político fosse mais próximo dos cidadãos e mais participado por estes, constituindo assim um cadinho de vivências democráticas fortes onde se geraria uma cultura política de cidadania activa capaz de neutralizar a cultura de submissão e de autoritarismo prevalecente até então no país. Para tornar tudo isso possível, o novo país democrático comprometia-se a descentralizar e regionalizar o poder político e administrativo.
Passadas quase três décadas é legítimo perguntar se essas expectativas foram realizadas ou, pelo contrário, frustradas e a resposta não pode deixar de pender para a frustração das expectativas. São duas as razões principais. A primeira reside em que, durante muito tempo, não foram dadas aos municípios as condições que lhes permitissem corresponder às expectativas neles depositadas. O poder central, não só não se descentralizou nem regionalizou, como foi avaro e inconsistente na transferência de recursos financeiros e outros para os municípios. Confrontados com um centralismo arrogante e com uma malha burocrática opaca e labiríntica, os autarcas recorreram às vias informais, aos contactos pessoais, às cumplicidades partidárias para acederem à administração central e, com isso, personalizaram e centralizaram o próprio poder local. Ao centralismo da administração central acabou por corresponder o centralismo da administração local, o chamado "cesarismo local". Daí o paradoxo do poder local no nosso país: Presidentes de Câmara fortes coexistem com um poder local fraco.

A segunda razão prende-se com a primeira: a estratégia usada pelos autarcas para se aproximarem do poder central afastou-os dos cidadãos. As assembleias municipais foram remetidas a um papel subalterno e as freguesias totalmente marginalizadas. E, acima de tudo, foi abandonado o propósito de transformar o poder local no berço da democracia participativa, através do envolvimento activo e organizado dos cidadãos e suas associações na governação local. Perdida a articulação da democracia participativa com a democracia representativa, o poder local afastou-se dos cidadãos e, assim, em vez de neutralizar a distância dos cidadãos em relação ao poder central, acabou por reproduzi-la.

À luz deste diagnóstico, o futuro do poder local está na democracia participativa. A força e a legitimidade que ela confere ao poder local são, a prazo, as armas mais eficazes para mobilizar a seu favor o poder central. As experiências bem sucedidas de planeamento e de orçamento participativos em 144 cidades brasileiras, em muitas outras cidades da América Latina e em algumas da Espanha, da França e da Itália começam a ser conhecidas entre nós e vão surgindo notícias do propósito de alguns municípios em instaurar mecanismos vários de democracia participativa. Estes são os sinais mais auspiciosos do futuro do poder local.