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08-08-2002        Visão
Em 22 de Novembro de 2000 foi barbaramente assassinado o jornalista moçambicano Carlos Cardoso, um dos mais insignes e corajosos jornalistas de língua portuguesa. Para quem acompanhava a sua luta quase solitária contra a corrupção em Moçambique - uma luta conduzida no seu jornal distribuído por fax, o Metical - este acto hediondo quase não surpreendeu. Manifestamente executado por assassinos profissionais, o crime tinha a marca de uma encomenda e esta só poderia ter vindo dos visados por Carlos Cardoso. Entre as suas investidas contra a corrupção e o abuso do poder, uma se destacava: uma fraude de 14 milhões de dólares do Banco Comercial de Moçambique. O montante da fraude, o possível envolvimento de gente com muito poder económico e político e a passividade ostensiva das autoridades de investigação criminal, tudo isto atiçava o zelo do jornalista na sua luta por um país mais justo, mais transparente e mais democrático.
A repercussão nacional e internacional deste crime foi enorme. Graças à viúva e aos amigos, aos colegas de profissão em vários países e aos democratas moçambicanos foi grande a pressão sobre a polícia, o Ministério Público e o sistema judicial em geral para que fossem averiguados os motivos do crime e identificados e julgados os seus autores. Por força desta pressão ou simplesmente devido ao zelo especial das autoridades neste caso, a verdade é que a justiça moçambicana deu provas de grande eficácia ao identificar e prender os executantes do crime e, pelo menos, alguns dos mandantes. Estão neste momento presos e pronunciados três executantes, um deles de nacionalidade portuguesa, e três mandantes.

Os sucessivos recursos dos réus determinaram alguns atrasos no processo mas tudo leva a crer que o julgamento se inicie dentro de poucas semanas. O julgamento será presidido por um juiz com boa reputação na magistratura moçambicana, o que constitui, por si, um bom augúrio. Há, no entanto, algumas razões para que os que lutam por que se faça justiça estejam apreensivos. Os atrasos podem ter produzido alguma deterioração da prova, tem havido tentativas de fuga dos réus, a acusação pública dá sinais de alguma passividade e sobretudo causa estranheza que alguns dos réus tenham podido comprar páginas inteiras de jornais para fazerem a sua defesa extrajudicialmente e, assim, pressionarem a opinião pública e o próprio sistema judicial.
Este julgamento vai ser um teste decisivo para o sistema judicial moçambicano e, afinal, para a democracia moçambicana dado que esta não pode deixar de assentar numa justiça livre, independente, justa e eficaz. Merece, pois, a atenção dos moçambicanos, de todos os cidadãos de língua oficial portuguesa e de todos os que lutam por um jornalismo de investigação dotado de mínimas condições de segurança. É de esperar e de saudar que jornalistas de vários países da CPLP e organizações de direitos humanos observem este julgamento. É também de esperar e de saudar que o governo português faça o mesmo uma vez que um dos réus é de nacionalidade portuguesa. Portugal deve estar interessado em que a um cidadão português sejam garantidos todos os direitos de defesa. E deve estar igualmente interessado em que, se ele for condenado, cumpra efectivamente a pena, em condições semelhantes às que são garantidas aos reclusos nas cadeias portuguesas. Dada a gravidade do crime, e existindo entre os dois países um acordo judiciário que expressamente o prevê, Portugal deve manifestar a Moçambique a sua disponibilidade em encarregar-se da execução da pena.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos