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05-09-2002        Visão
Apesar de no momento em que escrevo não serem conhecidos os textos finais que comporão o «plano de acção» aprovado na Cimeira da ONU sobre o desenvolvimento sustentável (DS), que acaba de realizar-se em Joanesburgo, não é difícil prever que eles mal conseguirão disfarçar a realidade: a Cimeira foi um fracasso. Em pouco mais de um ano fracassaram duas reuniões magnas da ONU realizadas em África. A outr foi a Cimeira de luta contra o racismo e a discriminação realizada em Durban em 2001. Isto significa que a África, tão fustigada pela globalização de há séculos (que produziu o colonialismo e a escravatura) como pela globalização de agora (que produz a fome e a seca, impede o acesso a medicamentos susceptíveis de controlar as pandemias que a assolam), continua a ser um continente expropriado da esperança e a servir de metáfora cruel das exclusões e injustiças que caracterizam o nosso tempo.
O fracasso da Cimeira de Joanesburgo foi um fracasso anunciado. Depois do colapso das reuniões preparatórias não havia muito a esperar. Há, pois, que analisar o significado do fracasso. A Cimeira da Terra, realizada no Rio há dez anos, foi a Cimeira dos bons propósitos: as convenções sobre as mudanças climáticas, a diversidade biológica, o combate à desertificação; os 27 princípios sobre o DS, conhecidos como a declaração do Rio; a Agenda 21. Como os dez anos que se seguiram foram a quase sistemática negação destes propósitos, esperava-se que a Cimeira de Joanesburgo fosse a Cimeira dos compromissos vinculativos, dos objectivos concretos e dos prazos definidos. Em vez disso, a Cimeira foi dominada pela aversão a prazos e objectivos e pela preferência por compromissos voluntariamente assumidos. Em segundo lugar, a Cimeira do Rio tinha defendido um conceito amplo de DS que não só punha em causa o modelo de desenvolvimento económico em curso - na medida em que este não garante a renovação dos recursos -, como também punha limites ao mercado enquanto critério de acção social e decisão política. A prova disto mesmo foi o facto de a Cimeira ter sido dominada pelos Estados e pela sociedade civil sob a forma de organizações não governamentais. Neste domínio, a Cimeira de Joanesburgo não só não avançou como significou um retrocesso. A grande novidade desta Cimeira foi a grande presença das empresas multinacionais, dos seus think tanks e dos seus lobbies. Mas o retrocesso não residiu nesta presença, em si mesma; residiu antes na força da mensagem que ela transmitiu. A mensagem e' esta e é perturbadora: o mercado é a única solução para os problemas do DS; a única solidariedade possível é a que é voluntariamente promovida pelo mercado como o demonstram as mais de 200 parcerias entre empresas, governos e organizações da sociedade civil anunciadas na Cimeira; não há incompatibilidade entre DS e crescimento económico, pelo contrário, são gémeos. Duas provas disso mesmo: se os milhões de doentes de sida não podem comprar os medicamentos de marca, a solução está no financiamento internacional da sua venda e não nos genéricos; se este modelo de desenvolvimento não garante a renovação dos recursos, a solução não está em mudá-lo, mas antes na biotecnologia. Em dez anos as empresas multinacionais cooptaram o discurso ambiental e da sustentabilidade, aprofundaram as suas alianças com os Estados dos países ricos e com a própria ONU. Em suma, sequestraram os objectivos do desenvolvimento sustentável.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos