Macron e Le Pen disputam no próximo domingo a segunda volta das eleições presidenciais francesas. A escolha eleitoral é entre um candidato neoliberal e uma candidata neofascista. É a segunda vez que a extrema-direita chega à disputa final na eleição de um presidente. Contudo, há diferenças muito significativas entre os dois momentos. Em 2002, Jean-Marie Le Pen - que tinha na sociedade uma marca fascista mais vincada do que a da sua filha atualmente - ficou com 17,8% dos votos na segunda volta, tendo partido de 16,8% na primeira. Agora, Marine Le Pen parte de 21% e prevê-se que possa alcançar bem mais de 30% dos votos.
Importa perceber este sucesso. Marine Le Pen, conservando o discurso xenófobo, racista e reacionário do seu pai, apresenta um programa económico que aparenta responder às justas angústias das classes populares face ao processo de integração económica internacional. Sabemos da vacuidade e oportunismo das propostas da extrema-direita quando, por exemplo, as suas práticas contrariam a retórica no que toca à evasão fiscal. Esse oportunismo alcandorado no poder facilmente se transformaria em ataque aos direitos dos trabalhadores e aos interesses das classes populares o que, articulado com outras componentes programáticas escabrosas, colocaria a França num desastroso rumo.
Não se deve desvalorizar nem a realidade social, nem as ânsias políticas que estão na base deste fenómeno. É inegável que a situação social francesa, à imagem do resto da Europa, se tem degradado na última década e meia, com taxas de desemprego em torno dos 10%, progressiva precarização das relações laborais e erosão dos serviços públicos. Não por acaso, Le Pen ganha nos departamentos rurais, mas também nos departamentos do que era antes o coração industrial francês no Norte, hoje condenados à crise social. Esta realidade parece, no entanto, desaparecer das análises ao candidato Macron e seu programa económico, expoente do neoliberalismo no seu país - veja-se o argumentário pós-"divisão Esquerda/Direita" e as posições que defendeu enquanto ministro de Hollande. Macron propõe agora a redução de 120 mil postos de trabalho no setor público, austeridade orçamental, cortes no subsídio de desemprego no valor de 10 mil milhões de euros. Trata-se de um programa de liberalização e austeridade que consegue ultrapassar o programa de Direita de Chirac em 2002, o que confirma o perigoso resvalar do centrão político para a Direita. A extrema-direita reforça-se, em grande medida cavalgando este desvio.
Não nos enganemos, face ao neofascismo de Le Pen, o voto só pode ter um sentido. Todavia, as reações de quem clama que os "extremos se tocam" porque o candidato mais à Esquerda, Jean-Luc Mélenchon, não apelou imediatamente ao voto em Macron, só podem ser explicadas por ligeireza ou imediatismo excessivo na análise do que tem sido o percurso político e do que significam os pronunciamentos recentes deste candidato sobre graves problemas internacionais. Numa sondagem no dia das eleições, só 9% dos eleitores de Mélenchon se manifestaram disponíveis a votar Le Pen, mas 33% dos eleitores de Fillon afirmaram ir fazê-lo. A Europa não está hoje ameaçada por "dois extremismos": enfrenta, sim, um enorme enfraquecimento da democracia por razões cada vez mais claras, está perante um crescimento de forças e programas ultraconservadores e fascistas e com uma Esquerda frágil.
Mélenchon e o seu movimento poderão ser uma esperança da Esquerda francesa, ao conseguirem mobilizar eleitorado órfão da implosão do Partido Socialista. Se este movimento socialista, ainda embrionário, se tornar numa nova entidade política mobilizadora e com futuro, será muito bom.
A tarefa da Esquerda francesa não é nada fácil. Daqui a dois meses realizam-se eleições legislativas. Eleitores de Esquerda, em particular o eleitorado de Mélenchon, têm de engolir o sapo Macron - exercício não pouco repugnante, apesar de politicamente imperativo - mas têm de preparar a sua digestão, ou seja, a Esquerda tem de tudo fazer para nas eleições legislativas conseguir uma representação forte que a afaste do continuismo Macron, e para procurar ser base segura de uma alternativa.