Quando a opinião pública é confrontada com a possível justificação de uma guerra espera por razões que pelo menos uma das partes em conflito possa reclamar verosimilmente como sendo de interesse nacional e como sendo suficientemente fortes para superarem os custos em destruição humana e material que a guerra implica. Não aceitará como razões os desígnios de pequenos grupos que, tendo adquirido poder suficiente para proclamar a guerra, o fazem para prosseguir os seus interesses particulares. O desconforto, perplexidade ou revolta da opinião pública mundial ante a próxima guerra contra o Iraque decorre de não terem até agora sido apresentadas razões convincentes do primeiro tipo e, pelo contrário, começarem a ser conhecidas razões do segundo tipo.
Vejamos, pois, as possíveis razões do primeiro tipo. Primeira: o Iraque foi em parte responsável pelo 11 de Setembro e merece ser punido. Ao longo do último ano foram feitas várias tentativas no sentido de ligar Sadam Hussein a Bin Laden. Por exemplo, um dos suicidas do ataque às Torres Gémeas teria tido encontros com os serviços secretos iraquianos mas o que se ficou a saber é que Bin Laden odiará tanto Hussein como os EUA. A segunda possível razão: o Iraque é uma ameaça para os EUA. Também neste caso têm sido feitas várias tentativas e todas têm falhado. Primeiro foi o antraz que poderia ter vindo de um laboratório iraquiano. Verificou-se que tinha sido produzido nos EUA. Agora é a possibilidade de o Iraque estar a produzir armas de destruição massiva e as poder utilizar contra os EUA, ignorando, além disso, as resoluções da ONU. Também neste caso a argumentação não é convincente. Nos anos 80 - quando Hussein era amigo dos EUA e, com o apoio destes, usou armas químicas contra os curdos e o Irão - o Iraque estava de facto a desenvolver capacidade nuclear, um projecto que teria o apoio da Arábia Saudita, com o objectivo de neutralizar as 200 ogivas nucleares de Israel. Curiosamente, o Iraque comprou a tecnologia de enriquecimento de urânio, em troca de petróleo, à África do Sul que, por sua vez, a tinha obtido de Israel. A guerra do Golfo e as sanções destruíram esse projecto. O Iraque tem ignorado as resoluções da ONU, tal como Israel (que se recusa a aceitar inspecção das suas armas nucleares) e a Índia (em relação a Caxemira).
Perante a inexistência de razões "razoáveis", só restam as razões da direita fundamentalista que hoje domina o governo dos EUA. (1) as reservas de petróleo do Iraque são as segundas maiores do mundo; e' crucial que essas reservas estejam nas mãos de um amigo dos EUA, de preferência sob ocupação militar norteamericana. (2) não interessa manter como inimigo nº 1 um alvo difícil de abater. Ao contrário de Bin Laden, Hussein é localizável e o sucesso da guerra contra o Iraque pode fazer esquecer o fracasso da guerra contra o terrorismo. (3) o exército iraquiano é o único que pode ameaçar Israel. A direita conservadora que domina a Casa Branca - recordemos que Dick Cheney foi um dos poucos congressistas que se manifestou contra a libertação de Nelson Mandela - pretende mostrar-se inequivocamente do lado de Israel para que o poderoso lobby judeu, sobretudo o seu ramo zionista, deixe de apoiar o Partido Democrático. (4) a mesma direita pretende reduzir o poder da ala moderada do partido republicano, humilhando o seu mais destacado representante, Collin Powell, e o seu apelo ao multilateralismo. Ao contrário do que pode parecer, a humilhação das Nações Unidas é apenas um efeito secundário. São estas as razões que a opinião pública mundial se recusa a aceitar.