O resultado das próximas eleições no Brasil é importante não só para o Brasil como para o resto do mundo. O Brasil, além de ser uma das maiores economias do mundo, é hoje o palco de uma luta desenfreada entre os interesses financeiros da globalização neoliberal e a aspiração da maioria dos cidadãos brasileiros por uma globalização mais justa e sustentável. Para se ter uma ideia da dimensão dessa luta, a especulação dos mercados financeiros ante a possível vitória do Lula fez com que na semana passada o prémio de risco dos bilhetes do tesouro do Brasil fosse igual ao dos da Costa do Marfim, um país em pleno golpe de Estado (Financial Times de 25 de Setembro). É este contexto que torna a vitória de Lula tão importante. Por duas razões principais.
A primeira é que a vitória de Lula representa a verdadeira conclusão da transição democrática iniciada em meados da década de oitenta. A quem, como eu, acompanhou de perto o Brasil nos últimos vinte anos não escapam as profundas mudanças políticas que ocorreram, não apenas ao nível das instituições, como, sobretudo, ao nível das práticas e das sociabilidades dos brasileiros no seu dia a dia. O código social do "sabe com quem está falando" foi a pouco e pouco sendo confrontado com a consciência e a linguagem dos direitos e da cidadania, com a emergente capacidade colectiva dos movimentos e das organizações populares de formular reivindicações e exigir o comprometimento ético dos governantes. Sendo o Brasil um dos países mais injustos do mundo, esta emergência democrática está sempre à beira da frustração e da vulnerabilidade a novos autoritarismos. Para que tal não aconteça, tem de ser consolidada através de práticas políticas, éticas, transparentes, participativas e redistributivas. Se o Lula ganhar, os democratas do mundo inteiro terão direito a um momento de alívio.A segunda razão diz respeito ao momento presente da globalização neoliberal. O sistema financeiro internacional está a ser posto em causa por vozes particularmente autorizadas, a dos que o conhecem por dentro e têm acesso a informação que mais ninguém tem. Entre essas vozes destacam-se Joseph Stiglitz e George Soros. A irracionalidade e a injustiça do sistema e a sua propensão a transformar crises financeiras em crises económicas são hoje do domínio público e o consenso que se está a gerar a seu respeito não pode deixar de levar a transformações a curto prazo. Quem está em melhores condições para governar os países nos tempos que se avizinham? Não certamente quem se formou na obediência cega à ortodoxia, agora em causa, porque esse vai certamente correr o risco de ser recorrentemente mais papista que papa e sobretudo não vai ser capaz de explorar as novas capacidades de manobra que se vão abrir. Fernando Henrique Cardoso governou o país num período de fundamentalismo neoliberal e de algum modo contribuiu para ele. O futuro creditar-lhe-á o facto de, apesar disso, não ter bloqueado a efervescência democrática de que falei acima. O modelo que seguiu está hoje reconhecidamente num beco sem saída e é precisamente de efervescência democrática que advirão as energias políticas para uma apropriação pacífica e justa das novas condições. Lula é assim o melhor sucessor de FHC, único capaz de ultrapassar o impasse a que a ortodoxia chegou, resgatando o que ela não foi capaz de destruir. No plano internacional, a vitória do Lula significa a credibilidade de uma transição pacífica e gradual por parte de um grande país para um novo pacto financeiro e económico global, mais equilibrado e mais comprometido com o bem estar dos cidadãos.