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19-04-2017        Público

Foi há praticamente nove anos que o Tribunal Constitucional turco decidiu pela diferença de um voto não encerrar o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) e não irradiar os seus líderes da vida política. A acusação, a mesma que levou ao fim do governo de Necmettin Erbakan em 1997 e ao encerramento dos dois partidos “antecessores” do AKP — o Partido do Bem Estar (Refah Partisi) e o Partido da Virtude (Fazilet Partisi) —, era que o AKP tinha posto em causa os princípios fundamentais — leia-se seculares — da República turca.

Um ano antes, o AKP tinha decidido nomear o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abdullah Gül, para Presidente, o que levou a enormes manifestações um pouco por toda a Turquia e à publicação online de uma ameaça de intervenção por parte das Forças Armadas (conhecido como o e-memorando), caso o secularismo da república não fosse garantido. A solução encontrada pelo então primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan e pelo seu partido foi a convocação de eleições antecipadas, eleições que ganharia pela segunda vez consecutiva com maioria absoluta. Um mês depois, o Parlamento nomearia (pela última vez) Abdullah Gül como Presidente da Turquia.

A cada obstáculo de percurso — e têm sido muitos —, a principal arma de Erdogan tem sido o recurso ao apoio popular. Desde Novembro de 2002 que o AKP venceu todas as eleições em que participou — legislativas, locais e presidenciais —, assim como os três referendos que organizou. Este último, realizado no passado domingo, foi porventura o mais ambicioso no sentido de dar ao AKP a estrutura institucional necessária para se consolidar no poder pelo menos durante a próxima década. As 18 emendas à Constituição aprovadas pelo referendo oferecem o domínio da política turca à figura do Presidente. Ao poder efetivo que este já detinha sobre a vida política turca, Erdogan consegue agora adicionar o poder institucional que lhe permite governar o país sem necessitar do recurso a medidas de exceção (o estado de emergência decretado em Julho passado após o falhado golpe militar mantém-se em vigor).

Consegue também completar um processo de afirmação de poder estrutural do AKP que inclui agora o domínio sobre todas as esferas de atividade da sociedade turca: desde os meios de comunicação social às universidades. E este é um aspeto fundamental para se perceber o trajeto político de Erdogan e do AKP nos últimos 15 anos. Com a vitória neste referendo, Erdogan garante que aquilo que aconteceu em Julho de 2007 não volta a acontecer.

Há, no entanto, em toda esta estratégia de consolidação de poder, um fator cujo controlo não está totalmente assegurado: o povo turco. Apesar dos repetidos sucessos eleitorais, Erdogan tem visto as margens de vitória decrescer e as acusações de interferência nos resultados a aumentar. Erdogan, que esperava obter 55% dos votos neste referendo, não foi além dos 51,4%. Isto numa campanha em que os meios de comunicação social estiveram completamente dominados pelos apoiantes do “sim”, em que importantes figuras políticas da oposição se encontram presas (como é o caso do líder do HDP, Selahattin Demirtas) e em que um clima de medo faz com que muitos tenham preferido o silêncio a fazer campanha pelo “não”. É preciso ter em consideração que desde o fracassado golpe militar do verão passado, mais de 130 mil pessoas perderam o seu emprego e quase 50 mil estão na prisão.

Uma diferença tão pequena nos resultados (todas as principais cidades turcas votaram maioritariamente “não”) perante um cenário tão favorável ao “sim” revela um eleitorado turco mais dividido que aquilo que o próprio AKP previa. Se a isto juntarmos um crescimento económico modesto, uma taxa de desemprego elevada e um contexto geopolítico muito tenso, parece evidente que Erdogan não tem assim tantas razões para sorrir.


 
 
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André Barrinha



 
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