Centro de Estudos Sociais
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06-02-2003        Visão
O terceiro Fórum Social Mundial (FSM) foi um êxito. O êxito não reside no número dos participantes mas na qualidade das intervenções, dos debates, das propostas e sobretudo da riqueza e variedade dos encontros e das novas institucionalidades internacionais que foram criadas no Fórum para durar para além dele. Nos dias anteriores e durante o FSM realizaram-se muitos outros fóruns paralelos: Fórum Mundial dos Juízes, Fórum Mundial das Autoridades Locais, Fórum Mundial da Educação, Fórum Mundial dos Meios de Comunicação Independente, Fórum Mundial dos Parlamentares, etc. Foram criadas novas instituições, entre elas o Observatório dos Orçamentos Participativos, o Observatório dos Meios de Comunicação, a Rede Mundial de Juízes Democráticos, as Nações Unidas das Cidades ou Cidades Unidas, etc., etc. Eu próprio propus a criação de uma Universidade Popular dos Movimentos Sociais cujo funcionamento a título experimental está já assegurado por duas organizações não governamentais, uma da Colômbia e outra da Holanda. Posteriormente ao Fórum foram organizadas múltiplas reuniões para, em grupos mais restritos, se discutirem os desafios criados por este movimento dos movimentos e as articulações para actuações políticas concretas de âmbito regional ou temático. Tive o privilégio de participar, no Recife, num fórum de líderes dos movimentos feministas da América Latina onde, durante dois dias e num grupo de 35 pessoas, foi possível realizar debates aprofundados sobre o futuro dos movimentos.
Quando, em 2001, se realizou o primeiro FSM foi fácil aos grandes media ridicularizar o evento como uma reunião de esquerdistas, desordeiros e inimigos da democracia representativa. Em 2002, o FSM teve a coragem de enfrentar a já evidente deriva belicista com que os EUA pretenderam aproveitar a tragédia humana dos ataques às Torres Gémeas. Organizou o Fórum Mundial da Paz, atraiu a atenção da social-democracia europeia e mais do que duplicou o número de delegados vindos de quase todos os países do mundo. Em 2003, o terceiro FSM enviou a Davos o presidente de um grande país, eleito democraticamente, cuja trajectória política simboliza a complementaridade virtuosa que pode existir entre a democracia representativa e a democracia participativa e a energia democrática e ética hoje gerada pela aspiração pacífica e veemente de justiça social. Se há três anos, o FSM se organizou contra o Fórum Económico Mundial de Davos (FEM), este ano foi o FEM que se organizou contra o FSM e foi essa inversão que justifica o convite ao Presidente Lula. Em três anos, o FEM parece um cadáver adiado enquanto o FSM é um facto político internacional incontornável de primeira grandeza.
Reconhecer tudo isto não significa embarcar em triunfalismos descabidos. São bem conhecidos os limites e os desafios. Os resultados concretos do trabalho político do FSM são por enquanto escassos. A espiral da guerra que se aproxima pode afectar decisivamente tanto a globalização neoliberal como a globalização solidária dos movimentos sociais e mergulhar-nos numa nova forma de nacionalismo agressivo à escala planetária. Por outro lado, o modelo organizativo do FSM tem de mudar já que a sua dimensão pode vir a prejudicar a sua eficácia. Acresce que o FSM é ainda pouco internacional já que a África e mesmo a Ásia não têm estado presentes na proporção das suas populações e dos seus problemas. Foi acertada a decisão de realizar o próprio FSM na Índia e de dar prioridade aos fóruns nacionais, regionais e temáticos. O Fórum Social Português realizar-se-á em Lisboa de 7 a 10 de Junho próximo.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos