Se tomássemos como base de análise das eleições presidenciais francesas e a opinião publicada ao longo dos últimos anos nos grandes meios de comunicação, teríamos de nos surpreender com o panorama político que agora nos é apresentado a duas semanas da primeira volta. O candidato oficial do Partido Socialista Francês, Benoît Hamon, surge com menos de 10% nas sondagens. O candidato agregador da restante esquerda, Jean-Luc Mélenchon, consegue chegar a terceiro lugar e ultrapassa o candidato da direita gaulista, François Fillon. Mélenchon é portador de um programa estratégico de rutura política com a austeridade de Hollande, não evitando temas como a necessária reforma política do sistema presidencialista francês esclerosado, ou o confronto com as políticas europeias de austeridade. Não sabemos se conseguirá ultrapassar o “blairismo” vazio, mas abrangente, de Emmanuel Macron ou o protofascismo de Marine Le Pen. No entanto, o seu possível sucesso deve ser analisado com objetividade e tido em conta na busca de soluções políticas democráticas, alternativas ao rumo dominante nos países da União Europeia (UE).
O Partido Socialista francês será mais um partido social-democrata a estilhaçar-se. Veremos, lá para o fim do ano, se o SPD alemão contraria esta tendência e, acima de tudo, com que propostas concretas se apresentará perante o povo alemão e perante os europeus. Mas, seja qual for o resultado das eleições na Alemanha, uma coisa é clara: no atual contexto europeu, as relações de forças existentes inviabilizam mudanças positivas. Não é possível responder positivamente aos anseios dos povos e conseguir desenvolvimento dos países, com a UE mantendo as estruturas e os tratados em que assenta, as prioridades políticas definidas e as práticas de relacionamento interno e externo porque se pauta. É preciso ruturas e que estas privilegiem valores de solidariedade, de paz, de democracia e de soberania dos povos.
Em Portugal, a situação confortável do PS nas sondagens pode criar a ilusão – a muitos dos seus militantes – de que este partido é hoje uma espécie de irredutível aldeia de lusitanos num império de austeridade. Foi acertado e, acima de tudo, muito útil para os portugueses, que o PS tenha seguido o rumo que seguiu, trabalhando com todas as forças de esquerda a base parlamentar que suporta o seu governo. O PS tem beneficiado muito dos contributos do BE e do PCP. E será dramático se, face às contradições e negação das propostas da Direita, facilitar um cenário em que estes partidos são a oposição de ocasião.
O PS, com mérito, tem conseguido “comprar tempo” de vida política. São muito positivos os pequenos passos dados a favor das pessoas e a melhoria da confiança na economia. Mas não pode continuar a adiar as necessárias ruturas com aspetos estruturantes da anterior política em campos tão relevantes como o Trabalho, a Saúde, a Contratação Coletiva ou a Segurança Social. Sabemos que estes são campos que enfrentam poderes maiores, nacionais e europeus, e que obrigam a instabilizar o centrão de interesses. Contudo, para a máquina funcionar e nos dar futuro, é preciso retirar areia da engrenagem.
Por exemplo, o combate à precariedade incomoda interesses instalados, mas a precariedade é um pedregulho na engrenagem do desenvolvimento. Pode ser desgastante a discussão que torne mais justo o acesso à reforma de trabalhadores com longas carreiras contributivas, mas ainda assim é preciso arrumar estes problemas para se tratar solidamente do futuro da Segurança Social.
Algumas propostas do BE e do PCP podem gerar tensão, mas isso não é drama. Pode até ser vantajoso se no processo de governação houver um amplo diálogo com múltiplos atores sociais e forte vontade de mobilização da sociedade.
É possível e indispensável discutir seriamente os engulhos da caducidade dos contratos coletivos de trabalho ou a recuperação de bases do princípio do tratamento mais favorável. Com empenho haverá soluções equilibradas. Urge valorizar o trabalho para diminuir o fosso que marca a distribuição da riqueza entre capital e trabalho em desfavor deste.