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26-03-2017        Jornal de Notícias

Está confirmado, em Portugal e na generalidade dos países da União Europeia (UE), que as respostas à "crise financeira" de 2007/2008, em particular as políticas de austeridade e o reforço da financeirização da economia, agravaram as desigualdades sobretudo dentro de cada país. O aprofundamento das desigualdades salariais fomentou esse agravamento e constatou-se - através de estudos feitos em Portugal, em Espanha e noutros países - que o enfraquecimento da negociação coletiva contribuiu muito para a desigualdade salarial.

A evidência de que os gestores de topo usufruem de chorudas retribuições e tiveram significativos aumentos durante o período em que a generalidade dos trabalhadores viu os seus salários serem reduzidos, tem levado ao surgimento de iniciativas políticas que denunciam este escândalo e procuram travar estas injustiças.

É neste contexto que surgem em preparação, na Assembleia da República (AR), propostas do PS e do BE com vista à discussão de uma limitação do leque salarial nas empresas e serviços. Trata-se de iniciativas positivas. Mas só atingirão êxito se propiciarem uma abordagem que vá muito para além do objetivo de estabelecer um limite razoável na relação entre os que auferem mais e os que têm salários mais baixos. São três as razões fundamentais para a debilidade de um debate centrado apenas nesse objetivo: primeira, existem hoje múltiplas formas de contornar a aplicação de uma norma desse tipo nas empresas e serviços (privados e públicos), através de subcontratações e da "externalização de serviços"; segunda, os leques salariais pornográficos hoje existentes alimentam-se de (e alimentam) conceções e práticas sobre a organização da economia e da sociedade, que subjugam a maioria dos cidadãos no trabalho e fora dele, naturalizando as desigualdades salariais e outras; terceiro, só com o crescimento médio e mediano dos salários se poderá atingir uma política salarial globalmente mais justa.

Os que invocam a soberania das "leis" do mercado para justificar as desigualdades salariais sabem bem que o mercado não se rege por critérios de justiça ou de democracia e, muito menos, de ordem ética e moral. São as organizações e instituições que representam os interesses e valores dos cidadãos na sociedade que têm de estabelecer e balizar regras de comportamento. O Governo tem o dever de entrar neste processo com empenho, municiando o debate a ser feito na AR, na Concertação Social e no plano público, com análises mais finas sobre a desigualdade salarial.

É natural a utilização de critérios de competência, de mérito e motivação para estabelecer os salários, mas isso implica regras abstratas e universais aplicáveis aos do topo e aos de baixo. É preciso um indivíduo ser muito preguiçoso e ganancioso, quando só conseguimos mobilizá-lo a troco de milhões.

A "liberdade económica" não pode permitir que o dono de uma empresa privada ou um conjunto de acionistas façam o que entenderem da riqueza aí produzida. Embora de forma diferenciada nos dois setores, tem de haver regras e controlo que defenda o interesse coletivo da sociedade, na empresa e fora dela.

É possível justiça salarial: i) combatendo a precariedade e o desemprego, os dois fatores de maior pressão negativa sobre os salários; ii) libertando riqueza para o investimento produtivo gerador de emprego e da melhoria da sua qualidade, e não permitindo que o peso do fator trabalho no PIB continue a cair; iii) combatendo a destruição do Estado social, pois a prestação de direitos sociais fundamentais às pessoas é uma forma de remuneração indireta muito importante para quem tem baixos rendimentos; iv) afirmando a igualdade entre homens e mulheres no trabalho e impondo salários e retribuições dignas para os jovens na sua entrada no trabalho; v) repondo a contratação coletiva e tornando-a dinâmica, pois ela possibilita leques salariais mais homogéneos; vi) reequilibrando poderes entre os representantes do trabalho e do capital, através de melhorias na legislação laboral.

Há hoje capacidade de produzir riqueza como nunca e possibilidade de a distribuir melhor. Se os trabalhadores tiverem mais poder e direitos haverá menos desigualdades


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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