Nos derradeiros meses de 2016, decorreu na Universidade de Coimbra (UC) uma iniciativa inédita na Europa – a simulação da Conferência Internacional do Trabalho (CIT) –, importante órgão da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que anualmente aprova convenções, recomendações e resoluções sobre condições de trabalho e relações laborais. Na sequência do documento The future of work: centenary initiative (apresentado pelo diretor-geral da OIT, Guy Ryder, na 104ª CIT, em 2015), e que daria início à celebração do centenário da OIT (2019), a simulação da CIT resultou de uma organização conjunta entre a OIT (Lisboa), o Centro de Estudos Sociais (CES) e a Faculdade de Economia (FEUC), que acolheu a iniciativa.
Assim, mais de 300 delegados da UC – a maioria estudantes de licenciatura em economia, sociologia, gestão e relações internacionais (áreas principais da FEUC), mas igualmente de direito, psicologia, antropologia, etc. – colocarem-se “na pele” de representantes de governos, empregadores e trabalhadores, fomentando compromissos de diálogo social. Da combinação entre o tripartismo da OIT e quatro comités temáticos – macro-regulação económica do emprego; mudanças tecnológicas e trabalho; trabalho e desigualdades; futuro das relações de trabalho – resultaram cerca de três dezenas de propostas para o futuro do trabalho. Seleciono apenas algumas.
No domínio da macro-regulação económica: a recomendação da criação de um fundo internacional para a criação de emprego (gerido por organizações como a OIT) e partindo do modelo do Fundo Social Europeu; a penalização de formas de especulação financeira e a taxação de setores menos taxados da economia internacional; o convite (aos Estados membros) para estimularem as empresas à criação de mecanismos voluntários de promoção de empregos de qualidade para além dos mínimos considerados admissíveis, quer distinguindo empresas com “selo” de garantia da promoção do trabalho digno (em matéria de rendimento, tempos de trabalho, realização de trabalhadores), quer publicitando e denunciando empresas seguidoras de más práticas laborais.
Quanto à articulação entre trabalho e tecnologia destaca-se: o incentivo à formação e requalificação/especialização de trabalhadores (em vez de despedimento); a concessão de isenção fiscal a empresas não lucrativas (reduzindo riscos de encerramento de atividades e de extinção de postos de trabalho); a defesa de uma maior articulação entre o sistema de ensino universitário e as necessidades do mercado de trabalho (ajustando vagas universitárias a necessidades reais, atualizando práticas de ensino e conteúdos programáticos, reforçando a componente tecnológica das instituições de ensino ou apostando no ensino profissionalizante como forma de dotar os futuros trabalhadores de maiores competências técnicas e de maior atratividade); a limitação à introdução de máquinas sempre que substituam pessoas; o reforço do investimento público na criação de incubadoras tecnológicas de economia solidária em universidades, comunidades e organizações sociais.
No campo das desigualdades, além da necessária renovação de ordenamentos jurídicos para melhor regular as novas formas de trabalho e da definição de medidas de valorização e aumento do salário mínimo (acima do aumento da inflação) enquanto garante de justiça social e combate à pobreza, propôs-se a adoção de medidas de reforço da igualdade de género: maior equilíbrio entre a vida familiar e a vida profissional; eliminação de barreiras no acesso ao emprego e à progressão na carreira (propondo um sistema de quotas atribuídas às mulheres para lugares de chefia das empresas: 30% nas PMEs, 40% nas médias e 50% nas grandes); introdução de conteúdos formativos obrigatórios sobre igualdade de género, tanto nos curricula escolares (do ensino básico ao superior), como em contexto empresarial, para trabalhadores e empregadores (com um mínimo de 20 horas anuais); fiscalização e coimas reforçadas em caso de incumprimento das medidas de combate à desigualdade de género.
Por fim, anseia-se por relações laborais respaldadas por quadros regulamentares que assegurem a defesa e proteção de direitos. Desde logo, combatendo a precariedade e apoiando medidas como: limitação do período experimental a 45 dias; redução da jornada de trabalho; reforço da voz coletiva de trabalhadores nas empresas; sancionamento do recurso ao falso trabalho autónomo; estímulo ao acolhimento e integração socioprofissional de imigrantes e refugiados; ou incentivo à contratação coletiva.
Não obstante tratar-se de uma simulação, a CIT em meio universitário apresentou propostas concretas. Algumas com algum caminho feito, outras (porventura a maioria) à espera de ver a luz do dia, desde logo porque dependentes da articulação entre interesses (nem sempre convergentes) e da vontade política de governos. Todas, porém, com uma ambição legítima: fazer do trabalho uma fonte de justiça social, dignidade e bem-estar e não uma rota de precariedade, exploração ou submissão.
Os think tanks do futuro do trabalho não podem confinar-se a gabinetes ou círculos burocráticos restritos. Em boa hora, pois, centenas de jovens souberam combinar teorias da academia (FEUC/UC), com linhas de investigação (CES) e conhecimentos técnicos (OIT). Desse modo, abrindo horizontes, identificando problemas e propondo soluções.