Os tribunais só recentemente ganharam visibilidade social junto da opinião pública. Este novo protagonismo dos tribunais está relacionado com novos tipos de criminalidade com forte repercussão social e política, como o crime económico organizado, a corrupção e a pedofilia. Mas este facto seria insuficiente para retirar os tribunais da obscuridade se, entretanto, não fosse consumido pela indústria da informação e da comunicação. Subitamente, os tribunais constituem conteúdos apetecíveis. Se é certo que os processos judiciais sempre tiveram o potencial de se transformarem em dramas, durante muito tempo tratou-se de um teatro para um auditório restrito. Hoje, os meios de comunicação social transformam esse teatro de culto num teatro de boulevard, entretenimento em linguagem directa e acessível a grandes massas.
Este novo protagonismo judiciário e a relação que lhe está subjacente levanta vários problemas. O primeiro decorre das muitas disjunções entre a lógica da acção mediática e a lógica da acção judicial. As disjunções ocorrem a vários níveis. Ao nível dos tempos, entre os tempos instantâneos da comunicação social e os tempos processuais que, em confronto com os primeiros, surgem ainda mais lentos do que aquilo que de facto são. Ao nível das gramáticas codificadoras do relato dos factos e da distribuição das responsabilidades, a disjunção é a seguinte: enquanto a adjudicação judicial moderna tem como característica saliente criar dicotomias drásticas entre ganhadores e perdedores, mas só depois de aturados e prolongados procedimentos de contraditório e provas convincentes, a comunicação social partilha com os tribunais a primeira característica mas não a segunda. A primeira cria uma cumplicidade entre tribunais e media que nem sempre é matizada pelas enormes diferenças que os dividem quanto à segunda característica. Um segundo problema decorre da relação de poder entre a justiça e os media. Esta relação é feita de instrumentalização recíproca. Os media recorrem às fontes judiciárias por pretenderem assumir, aos olhos da sociedade, uma função de justiça que a justiça nunca conseguirá atingir de forma satisfatória. A justiça recorre aos media para superar a sua estrutural debilidade em relação aos outros órgãos de soberania.
Porque os tribunais sempre dispensaram meios autónomos de comunicação com o público, esta relação redunda em dependência dos tribunais em relação aos media. A comunicação judicial, necessariamente complexa e com ritmo próprio, é substituída por uma comunicação instantânea, pretensamente descritiva, desprovida de nuances, interessada no que se passou, por culpa de quem. Isto significa que, mesmo que seja possível melhorar a comunicação autónoma dos tribunais com o público, é bem possível que os cidadãos não consigam reconhecer essa comunicação e continuem a reclamar uma outra, a dos media. Ou seja, o risco da mediatização da justiça é uma justiça incomunicável nos seus próprios termos.
Há que encontrar novas vias que nos façam sair da opção entre tribunais reality shows e tribunais socialmente distantes e incomunicáveis. Eis algumas delas: alterar a formação dos magistrados de modo a aumentar a sua competência social, política e cultural; promover a auto-regulação por parte dos profissionais de comunicação social; formar e credenciar jornalistas judiciários; criar gabinetes de imprensa das magistraturas para funcionar junto dos tribunais em que estejam a ser processados casos com notoriedade pública; reformar a Alta Autoridade para a Comunicação Social e institucionalizar um órgão com poderes disciplinares efectivos que coordene a gestão deontológica das empresas e dos profissionais de comunicação social.