Centro de Estudos Sociais
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13-11-2003        Visão
A informação internacional nos media globais dos países desenvolvidos obedece hoje a uma lei férrea. Os países próximos e importantes são noticiados em função dos temas relevantes para o normal funcionamento da globalização neoliberal: o desempenho económico, as grandes reformas estruturais, as eleições, a luta contra o terrorismo; os países distantes e insignificantes são noticiados em função da sua extravagância ou anormalidade: catástrofes naturais, escândalos, corrupção, violência interna. No primeiro caso, as notícias aprofundam a proximidade e a importância, enquanto no segundo sublinham a distância e a insignificância. Entre 1986 e 1998 Portugal foi internacionalmente noticiado segundo a lógica dos países próximos e importantes. Nos anos seguintes, houve prolongados silêncios, nos quais se operou a transição para a noticiação segundo a lógica dos países distantes e insignificantes. Foi assim que a contribuição de Portugal para a globalização sob a forma da União Europeia deixou de ser notícia e foi substituída pelos casos de pedofilia e pelas meninas de Bragança. No primeiro caso, os escândalos sexuais dos ricos e poderosos; no segundo, os escândalos sexuais dos comuns mortais. Em ambos os períodos, a informação tem um carácter transicional, expresso, no primeiro período, na surpresa de um país pouco conhecido e atrasado a aproximar-se da normalidade europeia e desenvolvida, e, no segundo período, na curiosidade de um país estranho e profundo a continuar a reinar sob o país oficial, incapaz de manter o verniz da normalidade que cabe a um país europeu. Em ambos os casos, a transição não permite estabilizar uma imagem não paradoxal do nosso país. Por isso, na lógica dos paradoxos, de Portugal só se sabem meias-verdades porque só há meias-verdades.
Os portugueses nada podem fazer para alterar esta lei de ferro e, no espaço de uma ou duas gerações, pouco poderão fazer para modificar a sua aplicação em relação a Portugal. Nada disto é, em si, muito grave, se tivermos em conta que a lógica dos media globais tem pouco a ver com a complexidade do que se passa nos diferentes países, com as dinâmicas contraditórias cujo desconhecimento é afinal o fundamento da construção da novidade das notícias. O que é grave é que os portugueses se estejam a ver a si próprios segundo esta lógica hegemónica, isto é, como um país distante e insignificante ante si próprio. Como um país onde o escândalo da verdade do agravamento das desigualdades sociais e do retrocesso na nossa integração na EU passa despercebido e é avassalado pela suposta verdade dos escândalos de elites certamente tão extravagantes quanto as de outros países e de mortais afinal tão trivial e globalmente comuns. A gravidade desta auto-imagem paralisante está nas causas da sua inculcação e difusão: uma comunicação social em grande medida controlada por grandes grupos económicos, servidos por comentadores neoconservadores, interessada em que a realidade da injustiça social, do desinvestimento na educação e na ciência, da privatização da saúde e da segurança social e de uma política económica suicida não desestabilize um governo conservador do qual esperam algumas rendas de curto prazo; sindicatos e movimentos sociais demasiado débeis para gritar que o rei vai nu de modo que se ouça nas ruas; elites habituadas a privatizar o Estado e tudo o que lhe pertence ou está à sua guarda (porventura crianças); uma classe política que, mesmo no seu melhor, não sabe o que é a separação de poderes e ignora que a responsabilidade política é muito mais exigente que a criminal.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos