Centro de Estudos Sociais
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26-02-2005        Visão
O Ministro da Segurança Social e do Trabalho tem demonstrado uma grande capacidade para levar a cabo as reformas estruturais no sistema de segurança social sem provocar agitação social nem suscitar atenção mediática. A sua competência política tem beneficiado da concentração dos media no sistema judicial e do facto de grande parte do impacto das suas reformas na vida dos cidadãos não se sentir a curto prazo. Vem isto a propósito da regulamentação da Lei de Bases da Segurança Social de 2002, actualmente em curso, devendo estar concluída em Maio para que a lei entre em vigor no início de 2005. Esta lei, que modifica a Lei de Bases de 2000, foi uma das primeiras prioridades deste ministro, tendo conseguido a sua aprovação em tempo relâmpago. As alterações relativamente à lei de 2000 parecem poucas mas são profundas. Concentro-me numa delas, o sistema de pensões da Segurança Social (SS). É criado um sistema de três pilares assente no "plafonamento" já previsto na lei anterior mas agora sem grande parte das limitações que lhe eram impostas. São dois os limites (plafonds) às contribuições para a SS. Prevê-se que até 2100 Euros mensais continuaremos a contribuir para a SS com direito a uma pensão pública gerida em repartição (1º pilar). De 2100 Euros até 3500 Euros contribuiremos obrigatoriamente para um esquema complementar gerido em capitalização (fundo de pensões, 2º pilar). Acima do segundo montante, somos livres de descontar ou não para um esquema privado (PPRs, 3º pilar). Ao tornar obrigatória a retirada do sistema público de uma parte das contribuições, este sistema cria um bolo financeiro há muito almejado pelas empresas nacionais, tanto seguradoras como gestoras de fundos de pensões. Desde a década de 80, quando participou na discussão da Lei de Bases da SS de 1984, que o Ministro Bagão Felix é um acérrimo advogado dos interesses destas empresas. Os lucros potenciais são tão elevados que a Comissão Europeia avisou recentemente o governo português de que este teria de cumprir o princípio da igualdade de tratamento, isto é, os fundos de pensões estrangeiros deveria ter os mesmos benefícios fiscais que os fundos de pensões nacionais. O bolo terá, pois, de ser repartido com empresas europeias e é bem passível que as nacionais fiquem apenas com as migalhas.
Os interesses do capital financeiro estão assim acautelados. Poderá dizer-se o mesmo do interesse dos futuros pensionistas? Penso que não. Primeiro, pelo efeito da individualização do risco. O sistema público assente numa dupla solidariedade, intergeracional (dos mais novos para com os mais velhos) e intrageracional (contribuição universal para um fundo comum que só alguns usam, por desemprego, doença, velhice, etc.). Num esquema de capitalização, individual ou de grupo, esta solidariedade é nula ou muito restrita. Segundo, pelo efeito da transferência de risco. É forte a tendência para um regime em que as contribuições são definidas mas não os benefícios (o montante da pensão deixa de estar garantido). O objectivo é transferir para os cidadãos os riscos associados aos fundos de pensões: contingência da carreira contributiva, volatilidade dos mercados financeiros, saúde financeira dos próprios fundos. Terceiro, pelo efeito da pauperização da SS. Os custos da transição para o novo sistema são altos. Como não será viável aumentar muito as contribuições para a SS, só restará a esta ser cada vez mais selectiva, voltada para os pobres, expulsando as classes médias e entregando-as ao mercado. Um sistema para pobres será certamente um sistema pobre. A última razão para a insegurança dos cidadãos é que, uma vez instaurado o novo sistema, não há recuo possível. Será demasiado tarde para voltar ao sistema público.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos