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03-06-2004        Visão
O tema que vou tratar hoje não será abordado por nenhum dos candidatos ao Parlamento Europeu. É um tema "sensível". Para o tratar, socorro-me de fontes e interpretações judaicas, ainda que saiba que isso não me poupará de ser acusado de anti-semitismo. Tenho para mim que Israel é um estado colonial que submete o povo palestiniano a formas de "apartheid" mais graves que as que foram infligidas às populações negras pela África do Sul racista pré-Mandela. Esta situação, que dura desde 1948, assumiu nos últimos dois anos proporções inauditas. O Estado de Israel foi longe de mais e não é provável que possa voltar atrás pela acção exclusiva de forças internas. É tempo, pois, de a comunidade internacional dizer: Basta! O holocausto não justifica tudo! E de converter essa exclamação em acções eficazes. Uma delas é o boicote a produtos e cidadãos israelitas, e ninguém a poderá levar a cabo com mais eficácia que os cidadãos da União Europeia. Os parlamentares europeus que se associarem a esta acção estarão a dar um contributo importante para a paz no médio oriente. Reconheço que boicotar pessoas, muitas delas tão críticas do que se passa quanto nós, é tão doloroso para quem é boicotado como para quem boicota. Recordo, no entanto, que no caso da África do Sul esta foi uma das dimensões mais eficazes do boicote. Quando os artistas, os cientistas, os jornalistas sul-africanos verificaram que o apartheid punha em causa de modo muito concreto o normal desenrolar das suas vidas e não apenas o da dos negros, intensificaram muito mais a luta política interna anti-apartheid e aceleraram com isso o fim do odioso regime.
A criação do Estado de Israel envolveu a expulsão de milhões de palestinianos das suas terras ancestrais numa operação com traços de limpeza étnica, como se conclui de passos não censurados das memórias de Yitzhak Rabin. Começou então o "politicídio" dos palestinianos, como lhe chamou o sociólogo israelita Baruch Kimmerling, que passou pela ocupação da faixa de Gaza e da margem ocidental do Jordão, pela política dos colonatos judeus em territórios ocupados, pela construção de uma grelha de estradas destinada a separar as cidades e as aldeias palestinianas, pelas barreiras de estradas e checkpoints, pelos passes em tudo semelhantes aos que os negros sul-africanos tinham de mostrar para entrar nas zonas dos brancos. Por fim, a construção do Muro de Segurança, uma parede de 8 metros de altura que, quando pronta, terá 700 quilómetros e se destina a encerrar os palestinianos num enorme campo de concentração, onde só faltarão os fornos de cremação. Já estão construídos 180km. Segundo a Agência das Nações Unidas para a coordenação da ajuda humanitária, já foram abatidas 102.320 árvores. Como este Muro da Vergonha está a ser construído dentro dos territórios palestinianos, já foram confiscados 1.140 hectares. As crianças palestinianas estão a aprender a trepar a parede para não chegarem tão tarde à escola.
Há hoje dois apartheids em Israel. Um dentro do seu território, que atinge cerca de um milhão de palestinianos. O jornal israelita Haarezt da passada sexta-feira descreve o contraste chocante entre as condições sociais no bairro árabe (Rakevet) da cidade de Lod e as dos bairros judeus circundantes. Os habitantes do bairro não podem hoje sair dele sem passar por barreiras policiais. O segundo apartheid é o que está a fechar os palestinianos em territórios sem viabilidade económica, sem controle sobre qualquer dos recursos básicos e donde não se pode sair sem autorização da potência ocupante. E como se isto não bastasse, estão a ser arrasados bairros inteiros na faixa de Gaza, onde a percentagem da população a viver abaixo do nível da pobreza é de 84%. É tempo de a comunidade internacional dizer: Basta!

 
 
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Boaventura de Sousa Santos