Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
19-03-2017        Jornal de Notícias

A atração de investimento (de capital) será mais importante para o desenvolvimento do país do que a atração das pessoas? Não estarão os portugueses demasiado condescendentes com a diminuição da população, que tem ocorrido e se perspetiva para Portugal nas próximas décadas?

Em 2009, a equipa que na Comissão Europeia elabora projeções demográficas previa que, em 2020, a população portuguesa atingisse os 11,1 milhões e depois crescesse ligeiramente até 2060, chegando aos 11,3 milhões. Três anos depois, em 2012, a mesma equipa revia essas projeções indicando os 10,7 milhões para 2020 e os 10,2 milhões em 2060. Entretanto, em 2015, procederam a uma nova revisão, ajustando agora para os 10,2 milhões em 2020, e prevendo uma população de apenas 8,2 milhões, em 2060.

O que aconteceu entre 2009 e 2015 para que os demógrafos da Comissão Europeia revissem as suas projeções de forma tão drástica? Objetivamente tivemos uma crise e uma intervenção da Troica que causaram uma enorme recessão, um nível de desemprego sem precedentes históricos, uma acentuada descida dos salários e, em consequência de tudo isto, emigração como Portugal já não conhecia desde os anos sessenta do século passado, acompanhada do retorno de muitos milhares de imigrantes aos seus países de origem.

A emigração em massa neste período pode ter um impacto de enormes proporções no futuro nível de população e alterar, profundamente, condições fundamentais de desenvolvimento do país. Se os jovens – que estão em idade fértil e poderiam contribuir para a renovação da população – emigram é porque não só não encontram respostas para a sua vida presente, mas também por não vislumbrarem futuro. As projeções demográficas e as suas sucessivas revisões “em baixa” refletem, sem dúvida, o efeito de longo prazo no nível da população provocado pelos quatro ou cinco anos de políticas desastrosas que todos gostariam de poder esquecer. De todas as feridas deixadas pela crise e pelo “ajustamento estrutural” da Troica, a ferida demográfica é a mais dolorosa. Corremos o risco, este sim existencial, de ver o nosso país perder 2 milhões de habitantes até 2060.

É verdade que as projeções não são ditadas por um fado inelutável e por isso faz sentido falar de risco e atacar as causas deste desastre. Para contrariar as previsões é preciso descobrir formas de inverter a tendência de declínio. Uma coisa é certa, isso não se faz, ou não se faz só, estimulando a natalidade. O que importa, fundamentalmente, é atrair pessoas, evitando a emigração e convidando retornos e imigrações.

O combate às dinâmicas demográficas de declínio deve situar-se no centro das grandes prioridades políticas, mas o espaço de debate público está saturado de apelos dirigidos aos capitais como a solução para todos os nossos bloqueios. Dizem, “sem atração de capitais não há investimento”, “precisamos de um Estado amigo do investimento”… “é preciso reduzir os impostos e os custos salariais para atrair investimento”. Sim, é necessário investimento, porventura não tanto por escassez de capitais, mas antes por falta de uma procura interna e externa robusta, que encoraje o investimento. No entanto, o convite aos capitais e ao investimento não pode basear-se em promessas de redução da carga fiscal sobre os rendimentos dos capitais porque debilitam o financiamento do Estado Social, nem na promoção de um “mercado de trabalho” (que temos conseguido qualificar) assente em salários de pobreza e crescente desproteção.

Tanto ou mais que os capitais, as pessoas têm de ser convidadas a vir, a ficar e a regressar a Portugal. Não se pode adiar mais a valorização do trabalho em dimensões relevantes, como sejam o combate à precarização generalizada, a priorização da criação de emprego, a remuneração, a criação de mecanismos de segurança, onde se inclui a proteção no desemprego. Essa valorização pode robustecer a recuperação e até surpreender os defensores do “quanto pior para os trabalhadores, melhor para os capitais”.

Se houver aposta nas pessoas, nas suas condições de trabalho e de vida, haverá por certo maior procura e uma dinâmica propiciadora de novos investimentos produtivos.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
ligações
Observatório sobre Crises e Alternativas
 
temas