Centro de Estudos Sociais
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09-12-2004        Visão
A Finlândia acaba de ser, mais uma vez, considerada a economia mais competitiva do mundo. Este facto, atribuído a um país, tal como Portugal, pequeno e situado na periferia da Europa deve ser objecto de reflexão por parte dos portugueses, sobretudo agora que nos preparamos para novas eleições. Se nada mais se soubesse sobre a Finlândia, a cartilha neoliberal, tão bem aprendida pela grande maioria dos nossos comentadores políticos e económicos, diria que tal desempenho estaria assente na: prevalência das leis do mercado na vida económica e social, privatização de todos os serviços públicos considerados não "essencialmente estatais" (como a educação, a saúde e a segurança social), baixos impostos, sindicatos fracos, altos níveis de desemprego e de desigualdade social, e em geral, um estado com pouco peso na economia e na sociedade. Ora como nada disto é verdade, os portugueses, devem suspeitar das "verdades" neoliberais com que vão ser bombardeados nos próximos meses.
O alto desempenho da economia finlandesa é significativo sobretudo por ser consistente com outros desempenhos notáveis no contexto internacional: uma das sociedades com menos corrupção e menos desigualdade social, com os mais elevados níveis de escolaridade, de qualidade do meio ambiente e de liberdade de imprensa. Aliás, estas características aplicam-se, em geral, aos países nórdicos e, ao contrário do que queriam os profetas do neoliberalismo no início da década de oitenta, assentam em culturas e instituições políticas que se têm mantido com grande dinamismo. Duas perguntas ocorrem: Qual o segredo de tudo isto? Poderá Portugal aspirar a tal excelência? Respondo à primeira e deixo aos leitores a resposta à segunda. O segredo assenta nas seguintes ideias: 1- A globalização não implica a perda de coesão da economia nacional, apenas faz com que ela se afirme (ou destrua) no modo como a economia nacional se insere na globalização. A diferença está na qualidade de inserção. 2- Para ter qualidade, a inserção global tem de ser um projecto nacional (e não de um sector do capital ou de uma agência internacional) e assentar em elevados níveis de educação e de fomento científico. A Finlândia é um dos países com a mais alta percentagem do PIB em investigação e desenvolvimento. Para além de ter um sistema de educação de alta qualidade, público, universal e gratuito. O contraste com Portugal é obvio. 3- Só há projecto nacional se houver uma comunidade nacional e esta não existe se as desigualdades sociais forem grandes. Não há comunidade entre os cidadãos comuns e os que vivem em condomínios fechados, têm motoristas privados, criados e treinadores pessoais (de qualquer deles há proporcionalmente mais em Portugal do que na Finlândia). O Estado forte e eficaz é um factor importante na criação da coesão nacional, ao coordenar interesses divergentes e ao redistribuir riqueza através da tributação, traduzindo-a em serviços públicos de qualidade. Uma coisa é reformar o Estado e a administração pública para os tornar mais justos, transparentes e eficazes (Finlândia), outra coisa é atacar um e outra sob o pretexto de que são irremediavelmente injustos, opacos e ineficazes (Portugal). 4- A economia de mercado só é socialmente útil se a sociedade não for de mercado. Para isso, é necessário que os "bens sociais" como a saúde, a educação e o sistema de pensões sejam produzidos por serviços públicos, não sujeitos à lógica do mercado. Uma coisa é reformar para viabilizar o sistema nacional de saúde, de educação e de pensões (Finlândia), outra coisa é privatizá-los sob o pretexto de que são irreformáveis ou inviáveis (Portugal).

 
 
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Boaventura de Sousa Santos