Centro de Estudos Sociais
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23-12-2004        Visão
Entre os muitos grupos sociais que terão respirado de alívio ao saber da convocação de eleições legislativas, conta-se certamente o dos cientistas portugueses. Em termos de política científica, os últimos anos foram de constante perturbação, dominados por: declarações dramáticas sobre mudanças de política e de prioridades estratégicas seguidas de silêncios opacos; lançamento de suspeição grave sobre os sectores mais dinâmicos da comunidade científica; incerteza sobre a estabilidade dos fluxos financeiros e a ameaça sempre presente (e por vezes concretizada) da sua diminuição; perda de transparência na definição das áreas de investigação orientada sem consulta à comunidade científica e na definição dos critérios de atribuição da coordenação da investigação a realizar. De tudo isto resultou um clima de instabilidade que não foi neutralizado por algumas medidas meritórias e que, sobretudo nos primeiros tempos do governo PSD/CDS, pareceu intencionalmente produzido e alimentado por um propósito de revanchismo em relação à política científica levada a cabo em anos anteriores por Mariano Gago e a sua equipa. Tudo isto ocorreu num raro momento de confiança e auto-estima da comunidade científica, ao ver o seu trabalho reconhecido e traduzido em melhoria nos indicadores internacionais de desempenho científico. Ocorreu também num momento em que era crucial não quebrar essa confiança, dados os desafios acrescidos, decorrentes do alargamento da EU, ou seja, da necessidade, mais do que nunca sentida, de injectar conhecimento, inovação e qualificação nos processos produtivos e de difundir na sociedade portuguesa uma cultura científica sofisticada, aberta ao diálogo com outros saberes e empenhada em ser uma presença forte e capacitante na cultura geral dos cidadãos.
Os danos causados por esta "interrupção" não serão irreversíveis, se os resultados das próximas eleições permitirem a adopção de uma política científica assente nos seguintes princípios:
1. Apoio estrutural e programático ao desenvolvimento das unidades de investigação, com cumprimento atempado dos compromissos contratuais do Estado, e numa perspectiva transversal de apoio equilibrado a todas as áreas científicas.
2. Prosseguimento do programa de criação de Laboratórios Associados e consolidação do apoio aos já existentes.
3. Prosseguimento dos programas de formação de investigadores, através de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e de bolsas de iniciação à investigação, dadas as grandes carências ainda existentes nesta área.
4. Promoção de novas iniciativas de criação de emprego científico.
5. Regresso ao financiamento de projectos de investigação em todas as áreas através da abertura de concursos anuais.
6. Prosseguimento e consolidação dos processos de avaliação independente das instituições e de projectos de investigação por painéis internacionais.
7. Criação de medidas de apoio à constituição de redes científicas que permitam maior colaboração entre as instituições científicas portuguesas e as apoiem na inserção em redes internacionais.
8. Institucionalização do espaço de consulta e da participação dos cientistas e suas instituições na definição e acompanhamento da política científica.
9. Relançamento e reforço de iniciativas de promoção da cultura científica, nomeadamente através do programa Ciência Viva.
10. Articulação entre investigação científica, inovação e desenvolvimento tecnológico.
11. Criação e consolidação de "organizações de interface", como, por exemplo, conselhos consultivos, capazes de articular a autonomia científica e a responsabilidade social e política na produção de políticas públicas.
12. Promoção da cidadania cognitiva através de espaço de consulta aos cidadãos e participação destes em debates e deliberações sobre opções científicas e tecnológicas com impactos sociais, ambientais ou na saúde.
13. Promoção de actividades de extensão e de investigação participativa orientadas para o interesse público e para os interesses de grupos de cidadãos, na linha das "lojas de ciência" existentes nalguns países europeus, e para os quais há apoio no âmbito dos programas comunitários.
14. Aproveitamento do processo actual de discussão sobre a reforma do ensino superior para repensar a relação entre o ensino superior e a investigação científica, entre universidades, institutos politécnicos e unidades de investigação.
15. Envolver os cientistas portugueses na discussão em curso sobre o VII Programa-Quadro da União Europeia de apoio à investigação, que entrará em vigor em 2006. Este envolvimento é tanto mais importante quanto parece existir uma quebra de continuidade no que respeita à preocupação central com o tema "Governação, Cidadania e Sociedades baseadas no Conhecimento", garantida pelos IV e VI Programas-Quadro. Essa continuidade permitiu conferir às ciências sociais um papel relevante nas políticas europeias de investigação.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos