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17-02-2005        Visão
Portugal está de novo no psiquiatra. Estudiosos e comentadores afadigam-se em fazer grandes sínteses do ser português, quase todas elas negativas, revelando características atávicas que nos incapacitam para responder positivamente aos desafios. Estas idas ao psiquiatra são recorrentes na nossa história moderna e ocorrem sempre em períodos de grande frustração de expectativas. Foi assim no último quartel do séc. XIX, quando se tornou claro que não tínhamos condições para acompanhar a modernidade europeia e a nossa debilidade foi fustigada pela humilhação do Ultimato. Foi assim no final da década de 1970 quando se frustraram muitas das expectativas luminosas criadas pelo 25 de Abril. É agora, no início do séc. XXI, quando é grande a frustração em relação às expectativas de convergência com a UE. As análises psiquiátricas têm em comum o apontarem para problemas profundos da nossa história e identidade, problemas insusceptíveis de se resolverem por via de eleições. Comparadas com a grandeza dos problemas, as eleições parecem um exercício de futilidade e de mediocridade. Daí o fácil consenso à volta da ideia de que na actual campanha eleitoral pouco se discute e nas eleições pouco se decidirá.
Vivemos, de facto, num período medíocre, e a mediocridade não se reduz à dos seus protagonistas, sejam eles Guterres, Barroso, Sampaio ou Santana. Aprofunda-se como síndroma colectivo quando os medíocres internos parecem fugir com êxito à mediocridade por via da saída internacional (Guterres, presidente da Internacional Socialista; Barroso, presidente da Comissão Europeia). Portugal é certamente mais difícil de governar que a Internacional Socialista, mas será mais difícil de governar que a UE? Os momentos de mediocridade nacional dão às elites políticas, económicas e culturais a possibilidade de se isentarem de culpas nos diagnósticos que fazem do país. Para as elites políticas, a culpa é de factores externos ou da sociedade; para as elites económicas, a culpa é do Estado; para as elites culturais, a culpa é das elites políticas. Nestas condições, a pretensa inocência dos culpados passa facilmente pela pretensa culpa dos inocentes. Assim, a inocência das elites parece tão grande quanto a das classes populares, vítimas das decisões delas. É como se o país dos inocentes seguisse penosamente ao lado e à distância do país dos culpados.
Por sob o manto de nevoeiro que esta mediocridade tece não é fácil identificar o que de importante está em causa nestas eleições. Mesmo assim arrisco: vai-se decidir mais do que o que se discute, já que o que está em causa é a opção entre duas maiorias que, se forem ambas por coligação, apontam para soluções políticas muito distintas; à luz disto, não estão reunidas as condições para que o voto em branco seja uma opção em favor da democracia; pelo contrário, os neoconservadores, que hoje dirigem jornais e dominam a comunicação social, estão em pânico ante a hipótese de uma maioria de coligação à esquerda e, por isso, apodam de velho o novo (BE) e vêem inovação onde sempre viram e só é visível o imobilismo (PCP); a mediocridade não é generalizada, uma coisa é Santana, outra é Louçã; não é verdade que não haja propostas políticas sérias e inovadoras, infelizmente, ou são ocultadas pelos seus proponentes por temerem que elas lhes tirem votos ou não passam a barreira de uma comunicação social viciada na intriga; ao contrário do que dizem os políticos, está em curso uma guerra religiosa contra as mulheres, conduzida pela Igreja católica, a instituição que há alguns séculos acompanha a modernização de Portugal vários passos atrás. Há precisamente trinta anos vivemos umas eleições em que tudo se discutia e tudo se decidia. Hoje parece estarmos nos antípodas desse tempo. No entanto, paradoxalmente, as duas eleições têm algo em comum. Então como hoje, votar útil é votar por convicção.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos