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28-04-2005        Visão
Acabo de passar uma semana em Buenos Aires, e tive ocasião de verificar a grande curiosidade e respeito dos argentinos pela nossa cultura. Dá a impressão de que aqui o nosso comércio só entrará pela mão da nossa cultura, o que não pode deixar de criar responsabilidades para a nossa diplomacia e serviços culturais internacionais. Reconheço com gosto que nas minhas andanças pelo mundo nunca fui tão bem apoiado e acompanhado pela Embaixada de Portugal. A Dra. Marta Pires, adida cultural e leitora do Instituto Camões, revelou um profundo conhecimento do meio cultural de BA e pude apreciar o muito respeito que colhe nesta cidade. Organizou a minha vinda com inexcedível profissionalismo e com o entusiasmo próprio de quem acredita no que faz.
A minha apreciação é tanto mais positiva quanto difíceis são as condições em que os nossos agentes culturais actuam. Pelo que pessoalmente me diz respeito, devo dizer que o Instituto Camões tem apoiado generosamente a divulgação do meu trabalho no estrangeiro. Há, no entanto, algo estruturalmente errado nos nossos serviços culturais internacionais e, agora que estamos no início de um novo ciclo político, talvez haja condições para corrigir alguns erros. São de dois tipos: estratégia de prioridades e desenho institucional.
Quanto a prioridades, parece-me fatalmente errado que continuemos a considerar a Europa a grande prioridade da nossa política cultural internacional (aliás, um contra-senso, dado que somos Europa) e nem me parece correcto que reduzamos o "resto"; do mundo aos países da CPLP. As autoridades portuguesas ainda não entenderam que a América Latina, a África e a Ásia são os grandes espaços do futuro, e que as vantagens portuguesas no contexto europeu (já o vemos hoje no domínio da investigação científica) advêm dos nossos longos contactos históricos com estas regiões do mundo, os quais de modo algum devem confinar-se às ex-colónias. Isto mesmo está a ser reconhecido pela Espanha, que acaba de fazer um grande investimento cultural no Brasil. Por isso me senti constrangido ao visitar o minúsculo stand de Portugal na Feira do Livro de BA, que se calcula seja visitado por 2 milhões de pessoas. Para além da oferta do JL (o que muito me alegrou), estavam dispostos na mesa de exposição: Os Lusíadas, lenços e colchas de chita de Alcobaça, antologia de Sophia, romances de Urbano Tavares Rodrigues, José Eduardo Agualusa, Pedro Rosa Mendes, texto de Abel Botelho, antologia de poesia organizada por Maria Armandina Maia e vários estudos sobre Eça, para além de O Mistério da Estrada de Sintra. O Dia de Portugal na Feira foi dedicado ao lançamento de dois livros meus. Nenhum estará à venda, nem qualquer dos muitos outros que tenho publicado em Portugal.
O segundo problema é institucional. A duplicação de serviços internacionais é kafkiana e significa um enorme desperdício de recursos. Para além do Instituto Camões, temos os gabinetes de relações internacionais dos ministérios da Educação, da Cultura e da Ciência e Tecnologia. Entre eles não existe qualquer articulação e as sobreposições são óbvias. Aliás, o mesmo acontece no interior do próprio Instituto Camões, onde há duas divisões significativamente chamadas "serviços de língua e intercâmbio cultural"; e "serviços de cultura externa"; com pouca articulação entre si. Em Díli há duas bibliotecas portuguesas distanciadas 500 metros uma da outra. Este caos burocrático não permite repensar os leitorados nem questionar por que razão somos o único país sem institutos de línguas que gerem receitas próprias. Tão pouco permite ver que quinhentos livros escolares nas escolas plurilingues de BA teriam mais efeito de futuro que uma dispendiosa exposição em Genebra ou outra capital europeia.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos