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12-05-2005        Visão
Realiza-se no próximo sábado, em Évora, um encontro inserido no processo do Fórum Social Português (FSP). É provável que a comunicação social lhe dê pouca atenção e que a pouca que lhe der seja hostil. É, contudo, um encontro importante para o aprofundamento da democracia no nosso país. Sob o lema "Resistências e Alternativas";, nele se reúnem activistas de associações e movimentos sociais que lutam por causas de cujo êxito depende a qualidade da convivência democrática e a medida da justiça social no nosso país: desenvolvimento local, direitos humanos, direito ao trabalho com direitos, luta contra o racismo, o sexismo e a homofobia, paz, direitos reprodutivos das mulheres, direitos dos imigrantes, cooperação internacional solidária, educação intercultural, democracia participativa municipal, etc., etc.
O primeiro FSP realizou-se em 2003 e foi um êxito. As divergências políticas e organizativas, que se tornaram públicas no final do Fórum, de modo nenhum afectaram o entusiasmo da participação e a qualidade dos debates. Inserido no espírito do Fórum Social Mundial, o primeiro FSP deu testemunho da presença na sociedade portuguesa, sobretudo nas gerações mais jovens, de uma inquietação democrática, de um mal-estar perante as insuficiências da representação político-partidária e a estratégia tacticista da agenda política. Testemunhou também uma vontade de impulsionar formas alternativas de participação política (movimentos, associações, campanhas) mais transparentes e horizontais, vinculadas a causas que, apesar de importantes e mobilizadoras, não encontram eco no país oficial, político e mediático. Desde então, o trabalho associativo solidário, tantas vezes anónimo, tem vindo a consolidar-se e, de vez em quando, aflora com pujança. Foi graças a ele que, a partir do ano passado, se tornou possível reabrir o debate sobre a despenalização do aborto. Foi também graças a ele que ficou patente o carácter autoritário do governo de direita de então – ao reagir desproporcionadamente com a mobilização de vasos de guerra contra o pequeno barco das Women on Waves – e a indiferença da classe política perante uma violação grosseira dos direitos reprodutivos das mulheres, uma indiferença que, entretanto, se transformou em desorientação política generalizada, a começar pela do Presidente da República.
O FSP deve tomar consciência do seu potencial democrático e transformar-se numa força permanente de acção política participativa, à semelhança do que sucede noutros países. Para isso, contudo, é necessário que se preencham várias condições. A primeira é que as associações e movimentos sejam ciosos da sua autonomia em relação aos partidos e que estes vejam nessa autonomia um contributo importante para o aprofundamento democrático. Seria fatal para o FSP se ele se transformasse num campo de testes da capacidade de mobilização política do PCP ou do BE. A segunda condição é que essa autonomia não se transforme em fundamentalismo anti-partido, inviabilizando as novas formas de articulação política onde germina a complementaridade entre democracia representativa e democracia participativa. A terceira condição é a criação de uma cultura anti-sectária e anti-fraccionalista entre os movimentos, uma cultura que privilegie a construção de coligações e plataformas comuns, que trave a tentação da ruptura quando estão em causa objectivos comuns concretos que credibilizem e dêem dimensão à participação cidadã. Esta cultura de unidade na diversidade talvez permita no futuro que a Manifesta – o importante encontro nacional das associações de desenvolvimento local – ocorra em sincronia com o FSP, ao contrário do que, mais uma vez, ocorrerá este ano. Não é fácil trilhar um caminho que nem é o das directrizes do comité central, nem o do espontaneismo auto-fágico. Mas é este o caminho certo.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos