Centro de Estudos Sociais
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26-05-2005        Visão
Apesar de haver entre nós, por agora, um pacto de silêncio sobre a Constituição Europeia (CE), os vivíssimos debates que esta suscita hoje em dia em França são demasiados ruidosos para não chegarem aos ouvidos dos portugueses e não suscitarem neles duas perplexidades. Por um lado, se o que está em causa é uma Constituição para todos os europeus, por que é que ela suscita tanta agitação em França e tanto desinteresse noutros países, entre os quais, aparentemente, o nosso? Será que somos todos europeus da mesma Europa e da mesma maneira? Por outro lado, que discussão politica será esta que põe do mesmo lado políticos de orientações tão diversas como, por exemplo, entre nós, do lado do sim, Mário Soares, e Ribeiro e Castro, e, do lado do não, Francisco Louçã e Pacheco Pereira? Quando o debate começar entre nós ele só contribuirá para o avanço da nossa democracia se estas perplexidades forem tomadas em conta pelos políticos e analistas. Dois meses antes do referendo em Espanha, 84% dos espanhóis sabiam pouco ou nada sobre a CE. É de suspeitar que os números não sejam muito diferentes entre nós. Este facto vai exigir uma pedagogia constitucional muito criteriosa, orientada para nos esclarecer sobre as seguintes questões:
1. Ao contrário do que sucedeu com a nossa Constituição e a dos restante países da UE, a CE não resultou de uma assembleia constituinte eleita para o efeito, mas antes de uma Convenção - qualquer semelhança com a Convenção norte-americana de 1776 ou a francesa de 1792 é falaciosa - e do trabalho de cerca de cem personalidades. Por que foi adoptado este método? 2. O tratado da CE consta de 448 artigos, 2 anexos, 36 protocolos e 48 declarações. Quais as razões de um tamanho aparentemente tão exagerado? Pretende-se com ele esclarecer todas as questões, mesmo com o risco de tornar o documento inacessível aos cidadãos, ou, pelo contrário, ocultar laboriosamente o que se espera que ocorrerá na prática mas que, se fosse tornado explícito, seria rejeitado pelos cidadãos? 3. Qual vai ser na prática a relação entre a CE e as Constituições nacionais? É possível a desobediência constitucional? A constitucionalização da UE envolve a desconstitucionalização dos Estados membros? Qual o significado da substituição do "direito ao trabalho";, constante das Constituições nacionais, pela "liberdade de procurar emprego e trabalhar em qualquer Estado membro";? Pode o patrão despedir-me para subcontratar um empresa de outro pais comunitário que forneça o mesmo trabalho que eu faço por um salário inferior e menos direitos sociais? 4. Sendo certo que onde não há opções não há democracia, é curial transformar a opção entre o sim e o não numa opção entre a salvação e a catástrofe? É possível ser-se tão europeísta votando sim como votando não? É possível empolgar os europeus à volta do CE se o voto, qualquer que seja o seu sentido, for um voto pelo mal menor? 5. Qual é o sentido ético-político da CE? Desde que o unilateralismo e o belicismo norte-americanos começaram a avassalar o mundo, muitos europeus quiseram ver na UE uma alternativa credível, assente no respeito do direito internacional, na promoção da paz e na compatibilidade entre competitividade e protecção social. A CE consolida essa alternativa ou, pelo contrario, aproxima o modelo europeu do modelo norte-americano? Qual o sentido da referencia na CE a intervenções militares preventivas fora do solo europeu? 6. A CE é para durar 10 ou 50 anos? Os europeus consideram que a UE é hoje a experiência politica supranacional mais importante do mundo, mas têm ideias diferentes sobre o modo como se deve aprofundar essa experiência. O debate sobre essas ideias começa ou acaba com a CE?
Portugal ganhou muito com a entrada na UE, mas teme agora ser relegado para uma periferia medíocre e sem futuro. É importante que os portugueses sejam europeístas por algo mais que a euro-ignorância.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos