Centro de Estudos Sociais
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03-01-2006        Visão
Nos últimos cinco anos, instalou-se na sociedade portuguesa culta uma atitude de pessimismo que, por tão reiterada e tão pouco contestada, corre o risco de se transformar no novo senso comum dos portugueses. Quem melhor deu expressão a esta atitude foi José Gil no seu livro Portugal, Hoje: O Medo de Existir. O seu êxito editorial pode ser indicativo de que um senso comum assente nela está, de facto, em gestação. Cabe referir que os momentos epocais de pessimismo são recorrentes na nossa história, e, as passagens de século são particularmente atreitas a eles. Basta referir o que foi tão eloquentemente cultivada pela geração dos ‘Vencidos da Vida’ no final do século XIX e que teve o seu período agudo entre o Ultimatum inglês de 1890 e a implantação da República em 1910. E, hoje como ontem, tendem a dominar as análises essencialistas, de recorte psicologizante, que transformam os portugueses numa categoria homogénea à qual atribuem características de tal modo negativas que não parecem ter remédio. Daí o pessimismo.
Numa sociedade em que as elites culturais são pequenas, estrangeiradas e, em geral, desconhecedoras ou distantes da realidade do país, não é fácil saber até que ponto o pessimismo das elites é o pessimismo dos portugueses. Hoje, devido ao papel dos média brilhantemente analisado por José Gil, é possível que os dois pessimismos se correspondam mais. E aí está o perigo. As interpretações essencialistas sobre a sociedade portuguesa, que consideram fechada, tendem, elas próprias, a ser fechadas, não deixando brechas por onde se possa pensar o futuro de modo não suicida. Ora, ao contrário de um intelectual isolado (veja-se Antero de Quental), nenhum país pode ter por horizonte o suicídio. Daí, que o primeiro passo resida em substituir a psicanálise, pela história e pela sociologia, porque estas tanto podem dar pistas para a adaptação ao que existe como para a resistência colectiva ao que existe. E a verdade é que os momentos de pessimismo assentam em condições sociológicas concretas, umas mais permanentes que outras. No final do século XIX, para além das sucessivas crises económicas e políticas, o país confrontou-se com uma constatação dolorosa: depois de séculos a rever-se na posição de colonizador, o país, no momento crucial em que pretende ser o centro de um império efectivo, verifica que é afinal e ainda uma colónia informal de Inglaterra. Os meios de que o país dispõe estão aquém da sua ambição. Não dá sequer para mobilizar o patriotismo para a resistência, já que a Inglaterra não pretende atacar Lisboa. Pretende apenas tomar Lourenço Marques.
No final do século XX, às causas próximas da estagnação económica desde 2000, junta-se outra constatação dolorosa: no momento crucial de se assumir como plenamente europeu, o país verifica que o nosso desenvolvimento é intermédio – onde se misturam características do primeiro mundo e do terceiro mundo – e que a plena convergência, a dar-se, será um processo histórico difícil e longo. No sistema mundial moderno não é fácil aceder ao clube dos países desenvolvidos. Nos anos de 1960 acedeu a Itália e quarenta anos depois, a Espanha (em parte à nossa custa). As transformações aceleradas por que passou a sociedade portuguesa nos últimos trinta anos, quase todas positivas, criaram expectativas que não se podem realizar numa geração. Por isso, talvez muitas das características atribuídas aos portugueses se possam encontrar, sob outras formas, nos polacos, brasileiros, mexicanos ou sul- africanos. Esta verificação ajudará, em 2006, a passar do pessimismo ao optimismo trágico, à consciência das dificuldades combinada com a recusa da ideia de que não há saída.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos