Num país que ainda recentemente mostrou ser maioritariamente de esquerda, causa estranheza que o candidato da direita nas próximas eleições presidenciais tenha uma vantagem tão forte em relação aos candidatos de esquerda a ponto de poder ganhar as eleições na primeira volta. Não se pode atribuir tal facto a um tão mau desempenho do governo socialista que os cidadãos pretendam manifestar a sua frustração, votando massivamente no candidato da direita. Tão pouco se pode atribuir ao carisma, às qualidades excepcionais, à cultura política, ao passado nobre ou ao populismo de Cavaco Silva, pois este parece desprovido de qualquer deles. Não tem carisma nem é populista. Entre os portugueses cultos é talvez o mais ignorante; os governos de que foi primeiro-ministro são responsáveis pela crise em que nos encontramos (esbanjamento dos fundos estruturais, afundamento da educação e, em especial, da universidade pública, subordinação aos lobbies da construção civil, aumento do défice, recusa em enfrentar o imperativo da requalificação da nossa economia).
Não me restam dúvidas que a caminhada triunfal de Cavaco é menos mérito seu do que demérito da esquerda. Que a esquerda não tenha sido capaz de se congregar à volta de um só candidato é certamente grave. Mas é-o muito mais e quase grotesco que nem isso tenha sido possível no seio do partido socialista. A razão principal para tal dislate está, sem dúvida, no primeiro-ministro. Ou José Sócrates não pensou que os resultados das eleições seriam irrelevantes para o seu projecto de governo, ou admitiu mesmo que governaria melhor com um candidato de direita do que com um candidato de esquerda. Este é um erro grave ou um prenúncio grave. É um erro grave se não considerou o que eu chamaria o precedente Sampaio. Trata-se do entorse constitucional do Presidente ao dar instruções de governo a Santana Lopes. Foi um acto de desespero infeliz na expectativa de com ele confessar e corrigir o erro grave de lhe ter dado posse. Quaisquer que tenham sido as circunstâncias, o precedente está criado e Cavaco não deixará de recorrer a ele no momento oportuno. Mas a atitude de Sócrates pode ser um prenúncio grave: a de que o seu programa eleitoral continuará a ser descaracterizado, e como tal a governação será mais tranquila com um presidente de direita. As inqualificáveis afirmações do ministro das finanças – impensáveis na boca de qualquer outro ministro socialista europeu – sobre a insustentabilidade da segurança social são um sinal de que estamos menos perante um erro grave do que perante um prenúncio grave.
Perante isto, ao povo de esquerda só resta ter mais juízo que os políticos que o representam. E assim ocorrerá se transformar a divisão da esquerda numa oportunidade para votar por convicção. Sendo várias as esquerdas em presença, não há nenhuma razão para não votar em consciência. Dois candidatos (Soares e Alegre) representam a esquerda renovada. Louçã representa a esquerda nova. Jerónimo representa a esquerda que vê na renovação ou na novidade a rendição. Estas são a gama de opções dentro da esquerda. Resultado de um erro sem precedente, pode transformar-se numa oportunidade única: a oportunidade para votar por convicção. E votar em massa. O importante é que haja segunda volta para que finalmente os portugueses vejam claramente as escolhas que estão em causa. Caso contrário, os portugueses de esquerda terão desperdiçado a sua energia cívica: no afã de recuarem quem, de uma forma ou de outra, está a seu favor, terão aberto o caminho a quem estará contra si.