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02-02-2006        Visão
O Fórum Social Mundial de 2006 é policêntrico; realiza-se em três continentes. Acabam de ter lugar os eventos africano (Bamako, Mali) e americano (Caracas, Venezuela) e, no próximo mês de Março, terá lugar o asiático (Karachi, Paquistão). O FSM de Bamako, em que participaram cerca de 20.000 pessoas, revelou mais uma vez a capacidade de África para, apesar de todas as dificuldades, sediar realizações internacionais que permitem dar visibilidade às perspectivas africanas, não só sobre os problemas de África, como também sobre os problemas do mundo. Mereceram especial atenção os temas da segurança e da paz, dívida externa, modelos de desenvolvimento, acesso à terra e à água, luta das mulheres contra as muitas formas de discriminação (violência doméstica, destruição dos mercados locais, HIV/SIDA). O Fórum de Bamako tornou claro que os problemas que afligem África não são apenas o produto das relações injustas entre o Norte e o Sul; devem-se também a governos nacionais corruptos e autoritários. À luz da experiência de Bamako, é de prever que o FSM de 2007 (um só evento), a realizar em Nairobi (Quénia), será um êxito e que, tal como o de Mumbai (Índia) em 2004, contribuirá para ampliar ainda mais a globalização solidária dos povos do mundo contra o neoliberalismo, a guerra imperial e a degradação ambiental.
No FSM de Caracas participaram cerca de 100.000 pessoas, sendo particularmente significativas as delegações da Colômbia, do Brasil e dos EUA. A grande participação de organizações não-governamentais e movimentos sociais norte-americanos foi uma das novidades mais vincadas deste fórum. A presença destacada da activista contra a guerra no Iraque, Cinthia Sheehan – que montou a sua tenda de protesto em frente ao rancho de G.W. Bush no Texas – simbolizou a integração das forças progressistas norte-americana – até agora relativamente isoladas – na luta continental e mundial por uma sociedade mais justa e pacífica. Pelas mesmas razões, deve destacar-se a Plataforma Sindical das Américas elaborada pela Organização Inter-americana de Trabalhadores.
O FSM reflecte sempre o contexto político da região em que tem lugar. Foi assim em Bamako e também em Caracas. Neste último caso, esse contexto reflectiu-se a dois níveis. Primeiro, na saliência da luta contra o imperialismo económico e militar dos EUA. Nunca como hoje os EUA tiveram tantas dificuldades de relacionamento com tantos países importantes do continente. O projecto de livre comércio continental (ALCA), promovido pelos EUA, ficou enterrado (talvez definitivamente) no Mar da Prata, onde teve lugar a última cimeira inter-americana (Novembro de 2005). Enquanto os EUA recorrem a tratados de livre comércio bilaterais com os países mais pobres do continente (as "alquitas" como lhe chama Hugo Chávez), Venezuela, Argentina, Brasil, Uruguai e Cuba vão desenvolvendo um projecto alternativo de integração regional. Não restam dúvidas que a América Latina é hoje o elo fraco do imperialismo norte-americano.
Em segundo lugar, o contexto regional levou a múltiplos debates sobre a "onda" de governos democráticos de esquerda que perpassa o continente, de que as manifestações mais recentes são a eleição de Evo Morales na Bolívia e a de Michelle Bachelet no Chile e a que se podem juntar, em futuro próximo, a reeleição de Lula no Brasil e a eleição de López Obrador no México. Esta "onda" suscita um conjunto novo de questões sobre as estratégias dos movimentos sociais e, em especial, sobre as articulações destes com os governos e os partidos progressistas. Bamako e Caracas foram nas últimas semanas os rostos da sociedade civil global em luta pela paz e a justiça social.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos