Centro de Estudos Sociais
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25-05-2006        Visão
Se um extraterrestre nos visitasse e lesse ou ouvisse o editorialismo e os comentários políticos na comunicação social dita de referência, não acreditaria que a grande maioria da população deste país é de esquerda, a julgar pelos resultados das últimas eleições legislativas. Em alternativa, concluiria que entre o sentir político da maioria da população e a opinião dos comentadores e analistas há muito pouco em comum. De facto, o domínio da análise e do comentário conservadores na comunicação social é hoje inequívoco e tem-se acentuado no último ano, como se houvesse que travar o impulso de esquerda que os eleitores ousaram manifestar recentemente. E se algum comentário é sofisticado, erudito, genuinamente elitista, na melhor tradição conservadora, a maioria é agressiva, insultuosa, arruaceira e, sobretudo, muito ignorante.
Aliás, para pasmo e confusão de leitores, ouvintes e espectadores, apresentam-se como de esquerda comentadores que há anos a fio se dedicam a fustigar a esquerda, particularmente a mais inovadora, a negar a importância do 25 de Abril, a pedir o desmantelamento do fraco Estado-Providência que temos, a apoiar acriticamente as aventuras belicistas da administração Bush, a celebrar como inovadoras as mais medíocres escrevinhações da nova geração de neoconservadores norte-americanos e a defender uma ética política em que, talvez sem que o saibam, ecoa o patrono deles, Leo Strauss. Com o medo de ter criado um monstro, Anthony Giddens disse certa vez que, entre outras coisas, o que distingue a esquerda liberal da direita é que para a primeira o alvo principal é a segunda, e não a "outra" esquerda. Por este critério, a verdadeira esquerda liberal é, entre nós, residual e não tem presença pública.
A avaliação das políticas do governo tem sido um campo fértil para a consolidação do pensamento conservador. Sem surpresa, o ministro considerado mais reformista é o Ministro da Saúde. Desde que passou pelo Banco Mundial – foi especialista sénior do banco entre 1991 e 1995 – mudou totalmente de ideias, abandonando os ideais solidários que defendera no governo Pintasilgo para abraçar o credo neoliberal da privatização dos serviços públicos. Pude testemunhar a agressividade das suas convicções enquanto membro da Comissão do Livro Branco da Segurança Social (Fevereiro de 1996 – Dezembro de 1997), a que ele presidiu. Não conseguiu plenamente os seus objectivos na segurança social, mas está agora a tentar fazê-lo na área da saúde. Um critério cego de eficácia técnica sem consideração pelas exigências da cidadania, ordenamento do território e coesão social, corre o risco de reduzir o país a uma estreita faixa de cinquenta quilómetros. Tudo isto é celebrado pelos comentadores conservadores, sempre lestos e investir contra o Estado excessivo (de que, muitos deles, se aproveitam nos seus negócios quando lhes convém) e a pedir aos portugueses que apertem o cinto e se conformem. Se os tribunais, num assomo de independência democrática, tentam pôr cobro a esta miniaturização do país em nome da lei e da Constituição são execrados por estarem a transgredir a separação dos poderes. E de nada vale invocar que a credibilidade do sistema judicial nos países que nos servem de referência se construiu através de intervenções deste tipo em prol da cidadania.
À luz disto, é forçoso concluir que está em marcha um projecto conservador para o país. Há muito que a comunicação social deixou de ser o quarto poder para ser o poder dos interesses que a controlam. Há excepções, felizmente. Mas, em geral, os mais afortunados lêem os media independentes ou consultam o Guardian. Temos jornalistas à altura do pluralismo deste último. Falta-nos o resto.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos