A formação de magistrados voltou a estar na ordem do dia na sequência da realização, em Maio passado, de um debate organizado pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Tratou-se de uma iniciativa que merece aplauso por ter lugar no âmbito do processo de reforma da lei orgânica do CEJ, que considero urgente e sem a qual o CEJ não encontrará o seu lugar na formação dos magistrados. O actual modelo de formação, desenhado em 1979, aquando da criação do CEJ, não sofreu, ao longo destes anos, alterações estruturais significativas. E o mundo mudou muito desde então. Mudou o perfil sociológico do desempenho dos tribunais: as mudanças quantitativas e qualitativas na natureza da litigação a partir da década de 1980, a globalização e as novas fronteiras do direito, as exigências da economia ao funcionamento da justiça, as novas formas de criminalidade, a corrupção, a mediatização da justiça, o aumento da tensão entre o poder político e o poder judicial. Mas mudou ainda mais o contexto social da justiça: o agravamento das desigualdades sociais, o aumento da diversidade cultural e religiosa, a emergência de novos riscos públicos e novos desafios ético-políticos no domínio do ambiente (por exemplo, as chamadas doenças ambientais), na saúde (as denominadas doenças emergentes), na alimentação (BSE, os organismos geneticamente modificados), nas novas tecnologias (das terapias genéticas à nanotecnologia); nas tecnologias de comunicação e informação (as exposições a campos electromagnéticos). Todas estas mudanças obrigam a repensar profundamente o sistema de justiça e, mais em geral, o próprio perfil da cultura judiciária. Não haverá reformas eficazes se não houver uma cultura judiciária que as sustente. E para a criação dessa cultura judiciária é fundamental alterar o sistema de formação de magistrados.
No actual modelo de formação identifico três fraquezas. A primeira é o ser excessivamente técnica e assentar em pedagogias retrógradas. O CEJ só faz sentido se não reproduzir as Faculdades de Direito e, para isso, é fundamental que se organize segundo três orientações fundamentais: a primeira, pedagógica, que faça do ensino-aprendizagem um processo interactivo; a segunda, prática, que possibilite um mais profundo envolvimento na análise concreta de processos e na prática dos tribunais; a terceira, sociológica, que permita o conhecimento da sociedade nos planos económico, social, político e cultural. Na formação devem intervir cientistas sociais em pé de igualdade com os demais formadores, o que significa que a avaliação não pode estar centrada apenas, ou sobretudo, em matérias jurídicas. Os estágios não devem ser circunscritos aos tribunais; devem incluir escritórios de advocacia, prisões, esquadras de polícia, organismos públicos, empresas, sindicatos, organizações não-governamentais, autarquias, etc.. A segunda fraqueza reside no pouco relevo dado, não só pelo CEJ, mas também pelas Faculdades de Direito, aos direitos humanos como um dos pilares fundamentais de uma ordem jurídica democrática. O que é particularmente grave no momento em que se torna mais evidente a indivisibilidade dos direitos humanos: a necessidade de defender com igual exigência os direitos cívicos, políticos, económicos e sociais. A educação jurídica não pode deixar de ser orientada para o reforço da cidadania e da democracia. A terceira fraqueza reside na irrelevância da formação permanente. Esta formação deverá ser obrigatória e por períodos de tempo que a tornem efectiva: em vez de um ou dois dias, períodos de, pelo menos, duas ou quatro semanas, por ano. Deve ser específica e adequada à evolução das carreiras e à colocação em tribunais especializados.