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21-12-2006        Visão
De repente, os governos ocidentais mais desenvolvidos (G7) descobriram uma nova ameaça: a Ásia, entendendo-se por Ásia basicamente a China e a Índia. Os media começaram a bombardear a opinião pública com uma série de dados todos eles ameaçadores para a hegemonia do Ocidente na economia mundial: em 2030 a China será a maior economia do mundo, deixando para trás os EUA; dentro de 25 anos a soma do produto interno bruto (PIB) da China e da Índia será superior à do G7; daqui até meados do século, a China e a Índia crescerão 22 vezes enquanto o G7 crescerá apenas duas vezes e meia; a China já é o quinto maior exportador, o sexto maior importador e o maior investidor em África; a cimeira África -Ásia do passado mês de Novembro mostrou que uma nova e poderosa parceria mundial está a emergir, entre uma China sedenta de matérias primas (Angola é já o principal fornecedor de petróleo da China), e uma África ansiosa por se libertar das humilhantes condições de financiamento impostas pelos países ocidentais; o controle que a China detêm já sobre a dívida pública dos EUA faz com que nada lhe possa ser imposto que esta veja como contrário aos seus interesses; se a China continuar a financiar a economia mundial ao ritmo actual e sem respeitar as condições que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial consideram sacrossantas, estas duas instituições, até há pouco todo poderosas, serão em breve irrelevantes.
Estes factos mostram que o pânico está instalado por mais diplomáticos que sejam os termos em que é manifestado. Mas a sua importância histórica vai muito para além dele. Em primeiro lugar, não escapará aos observadores mais atentos, sobretudo àqueles que vivem fora do G7, a dualidade dos discursos hegemónicos sobre a economia mundial dos últimos trinta anos e a hipocrisia que ela exprime. Durante todos estes anos fomos ensinados sobre as vantagens da globalização da economia. Imaginar-se-ia que, se o capitalismo global é algo intrinsecamente bom, pouco importa quem o impulsiona e só pode ser considerado auspicioso que dois países com um terço da população mundial se juntem à locomotiva principal. Afinal verifica-se que o capitalismo global só é incondicionalmente bom quando favorece os interesses dos países ocidentais. Passar-se-á o mesmo com a democracia?
Mas o significado histórico da ameaça asiática é ainda mais amplo porque está a obrigar a rever toda a história da modernidade ocidental, uma história escrita por ocidentais, dotados da certeza retrospectiva que o passado, apesar de muito recente, convergia necessariamente para o seu triunfo e para a irreversibilidade desse triunfo. O questionamento deste eurocentrismo é hoje evidente e é, efectivamente com perguntas que ele melhor se pode expressar. Como se explica que a Europa tenha sido o centro do mundo desde o século XV quando a balança comercial da China com a Europa foi favorável à primeira até ao início do século XIX, ou quando o PIB conjunto da China e da Índia foi, entre 1580 e 1830, 50% do PIB mundial, só depois diminuindo drasticamente para menos de 10%? Que fazer das teorias de Marx e de Weber sobre o excepcionalismo económico, político e religioso do Ocidente que justificou o desenvolvimento do capitalismo aqui e não noutra região do mundo? Não será mais plausível pensar que a economia mundial teve um desenvolvimento multissecular no Oriente e que, depois de dois breves séculos de viragem para Ocidente, está de novo a reverter para Oriente? Que significado atribuir ao facto, hoje confirmado, que a América não foi descoberta por Cristóvão Colombo, mas muito tempo antes, pelos chineses apesar de estes terem decidido aí não permanecer?

 
 
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Boaventura de Sousa Santos