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30-01-2007        Visão
Acaba de realizar-se em Nairobi, com pleno êxito, o sétimo Fórum Social Mundial (FSM). Cada vez mais dominados pelos interesses do capitalismo global, os grandes media não deram qualquer atenção a este acontecimento e, ao invés, assestaram os seus holofotes no Fórum Económico Mundial (FEM), uma instituição decadente por onde passa a má consciência dos ganhadores com a globalização neoliberal, ganhadores que são cada vez menos em número e cada vez mais imorais pela desproporção dos seus ganhos. Se os jornalistas tivessem liberdade para investigar, constatariam que os temas discutidos no FSM precedem em alguns anos os discutidos no FEM. Obviamente que as soluções propostas por um e por outro são muito diferentes, mas não restam dúvidas de que, desde 2001, é o FSM quem faz a agenda das grandes questões internacionais. Foi assim com a pobreza, a dívida externa e a catástrofe ecológica, e assim será com a questão da terra, da água, da saúde e da guerra.
O FSM de Nairobi revelou que, para além da África do Sul, há outros países africanos com capacidade de organizar com eficiência uma reunião de 100.000 pessoas. E foi importante que se realizasse em África, o continente mais duramente atingido pelo neoliberalismo, já que as sessões anteriores do Fórum, realizadas no Brasil e na Índia, não permitiram uma participação significativa dos movimentos e organizações sociais africanas. Delegações de muitos países percorreram milhares de quilómetros pelas savanas de África para trazerem ao FSM a notícia das suas lutas, trocarem experiências e estabelecerem contactos com vista a acções conjuntas futuras. Tal como aconteceu nas sessões anteriores, o continente anfitrião pôde imprimir a marca das suas prioridades. Foi assim possível verificar que a luta contra a guerra tem em África um sentido muito diferente daquele que domina no Atlântico Norte. Quando se compara a esperança de vida dos suecos, 80 anos (77 em 1990), com a dos botswanos, 34 (64 em 1990) – em si mesmo um desmentido cruel da pretensa homogeneização das formas de vida trazidas pela globalização – resulta muito claro que a guerra mais perversa é a da epidemia do HIV/SIDA. A luta contra ela foi uma das grandes prioridades desta edição do FSM, juntamente com as lutas pelo acesso à terra, à saúde e à educação, pela igualdade de direitos das mulheres, pelo perdão da dívida e pela preservação dos conhecimentos tradicionais.
O Fórum de Nairobi teve ainda duas outras novidades. Por um lado, o último dia foi dedicado à formulação de propostas de acções colectivas distribuídas por 21 grandes áreas temáticas, cada uma delas ocupando um vasto espaço para acolher os movimentos e organizações interessadas em juntar aí as suas iniciativas e as suas forças. Por outro lado, nunca como nesta edição se discutiu tanto o futuro do FSM. Ao contrário do que alguns pensam, esta foi uma prova de vitalidade do impulso solidário desencadeado pelo processo do FSM. Assim, em 2008, em vez de uma reunião magna e concentrada, o FSM será uma nuvem de milhares de eventos (manifestações, colóquios, exposições, etc.) a ter lugar nos quatro cantos do mundo nos mesmos dias em que se reúne o FEM. Esta será a maneira de a sociedade civil global dos que lutam contra a injustiça social, a perda de direitos e a catástrofe ecológica denunciar o circo de ostentação e falsa filantropia que ocorre em Davos. E nem estará sozinha. O insuspeito Los Angeles Times acaba de acusar a Fundação Bill e Melinda Gates, a mais rica do mundo, de enriquecer com os investimentos em empresas cujas actividades causam os problemas que a fundação supostamente quer resolver (pobreza, dívida, doença, etc.).

 
 
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Boaventura de Sousa Santos