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01-03-2007        Visão
Sendo certo que se reconhece ao actual Ministro da Saúde um profundo conhecimento técnico da área que tutela, é legítimo perguntar pelas razões da forma atabalhoada com que pretende impor sacrifícios injustos a cidadãos compreensivelmente indignados pela degradação da dimensão mais vital do seu bem estar. A resposta fácil é dizer-se que se pode ser um bom técnico e um mau político. A resposta mais difícil mas mais verdadeira é que toda a técnica tem uma dimensão política e que nas questões complexas não há uma só opção técnica possível. O bom técnico é o que reconhece a existência de várias opções e o bom político é o que as submete a debate. Em ambos os casos, o Ministro Campos falha o teste e daí os apuros em que se encontra.
A sua actuação pauta-se hoje por duas ideias: uma concepção autoritária e economicista da eficiência e qualidade; uma preferência mal disfarçada pela privatização. Nem sempre perfilhou estas ideias e muitos se lembrarão das suas posições ao tempo do governo da saudosa Maria de Lurdes Pintasilgo. A mudança consumou-se quando assumiu as funções de especialista sénior do Banco Mundial (1992-1995). A partir de então, as suas ideias de reforma passaram a corresponder às que dominavam nesta instituição neoliberal, responsável pelo aprofundamento da exclusão social nos países pobres. Isso mesmo se tornou evidente quando entre 1996 e 1998 foi presidente da Comissão do Livro Branco da Segurança Social, a que pertenci. As posições que então assumiu na área da segurança social são as mesmas que assume hoje na área da saúde. Essa experiência foi fundamental para ele. A Comissão do Livro Branco era política e tecnicamente plural. Campos conviveu mal com o pluralismo, foi arrogante para com os que contestavam e alinhou-se pelas posições mais conservadoras. Por isso, agora se rodeou de comissões técnicas monocromáticas para ratificar as suas posições.
A eficiência neoliberal assenta em que os indicadores de eficiência e de qualidade não se discutem porque são os únicos correctos. Devem ser impostos a frio, sem atenção aos contextos e às alternativas. Por isso, o Ministro não pode entender a indignação das populações que, em pouco tempo, perderam a escola, o posto da GNR e perdem agora o serviço de urgência. Por último, a negociação é uma forma de ruído. Escrevia em 1997 sobre a negociação sindical das reformas: "os reformadores saibam exactamente para onde querem ir, tenham uma estratégia bem definida que resista aos compromissos da paz social momentânea." Só que Sócrates sabe que Margaret Thatcher caiu quando procurou destruir o serviço nacional de saúde.
Quanto à privatização, Campos escrevia em 1987 a respeito da pseudo-ineficiência do sector público, mostrava que os custos médios no sector público não eram mais elevados que os do sector privado, criticava o facto de o sistema público estar "a deslizar suavemente para a privatização" e de os estabelecimentos privados serem territorialmente injustos, "muito concentrados no litoral medicalizado". Hoje aplica o que antes criticou. E a onda de privatização atravessa todos os sectores do ministério. É particularmente evidente nos serviços informáticos. Os hospitais estão proibidos de comprar medicamentos novos, mais caros, mas também mais eficazes, mas não falta dinheiro para comprar sistemas informáticos privados caríssimos e envolvendo contratos de manutenção proibitivos. Os serviços informáticos do Ministérios estão tacitamente proibidos de melhorar o seu desempenho para não competir com os privados. Como estamos sempre atrasados, tudo isto ocorre quando o Banco Mundial recua em face dos efeitos desastrosos da privatização como dogma.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos