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01-01-2017        Jornal de Notícias

Experimentámos, em 2016, uma espécie de regresso à vida em coletivo: conceitos como interesse nacional ou povo retomaram centralidade, acima de tudo, pela identidade com o comum das pessoas e com os seus anseios, individuais e coletivos, de vida digna.

A solução de governação que nos permitiu respirar depois de um longo sufoco não aconteceu por acaso. Ela foi construída, embora de forma não programada, por dinâmicas sociais e políticas concretas e foi posta em andamento por intérpretes múltiplos (em particular os três grandes partidos da esquerda) que agiram politicamente com inteligência. No primeiro ano desta solução política houve, da parte dos partidos e forças sociais que nela apostam, coerência e significativo empenho no seu funcionamento. Os resultados positivos alcançados e prioridades inscritas nas agendas dos partidos que dão apoio parlamentar ao Governo, projetam naturais expetativas para os três anos de legislatura que se seguem.

É claro que, com o avançar do tempo, novos problemas surgirão. Preparemo-nos para os enfrentar de forma ponderada, mas com determinação.

Primeiro, trabalhando respostas para suprir carências e satisfazer justos anseios dos que mais sofreram com a crise e conjugando essas respostas conjunturais com objetivos estratégicos (no presente muito pouco definidos) inerentes a um projeto de desenvolvimento do País, que envolva a sociedade portuguesa de forma ampla. Por outro lado, há que aceitar com naturalidade o direito dos partidos em salvaguardar espaços e projetos políticos autónomos, sobretudo em contexto de aproximação a eleições, mas combater tentações de marginalização ou de hegemonização, ampliando espaços de intervenção sócio-política.

Segundo, garantindo a centralidade do Parlamento. A recentragem da ação política no Parlamento e o trabalho sereno e persistente dos grupos parlamentares da atual maioria, têm sido vitais para os pequenos grandes êxitos alcançados por esta governação. Isso não significa a desvalorização de quaisquer outras instituições ou espaços de construção de diálogo, de compromissos sociais ou económicos (a concertação social e outras concertações). O Parlamento deve ser sempre aos olhos dos portugueses, e de facto, o órgão de soberania que interpreta a sua vontade, que legisla de forma percetível para o comum dos cidadãos, que determina os compromissos políticos necessários.

Terceiro, reforçando a afirmação do país e da dignidade do seu povo no plano internacional. Os interesses dos portugueses e do país no contexto da União Europeia (UE) devem ser defendidos com bom senso e convicção. A igualdade soberana dos países é um princípio inscrito na Carta fundadora das Nações Unidas e é indispensável para a participação de qualquer país em áreas de cooperação ou em blocos de Estados. A afirmação dos interesses de Portugal no complexo e perigoso quadro internacional – a que alguns analistas políticos com olhares ocidentais chamam de "bancarrota política" – exige muitas cautelas, seriedade e ação determinada.

Perante a UE, é tempo de pôr de lado posturas de subjugação, de presença acrítica tão ao gosto do centrão de interesses, ou perspetivas de fuga para a frente, em que por vezes insistem setores do que resta da social-democracia, como forma de iludir os desequilíbrios de poderes e as entorses incorrigíveis da atual configuração da UE. As velhas quimeras conduzem a uma sucessão de cedências e a saída nenhuma. A questão primeira colocada aos povos europeus é a de serem capazes de impedir que a experiência União Europeia passe de desastre a tragédia. Para se vencer esse desafio, os contornos do debate não podem, de forma alguma, reduzir as escolhas a duas alternativas - “mais do mesmo” ou "nacionalismo reacionário".

É preciso afirmar uma nova configuração institucional na UE onde haja lugar para todos, com níveis de integração diferenciados, com instituições (inclusive monetárias) flexíveis que favoreçam a harmonização no progresso e a coesão. Uma União onde não seja o factor trabalho a principal variável de ajustamento mas, pelo contrário, seja através da valorização do trabalho que se construam pontes de cooperação internacional.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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UE