Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
25-12-2016        Jornal de Notícias

No início desta semana que antecedeu o Natal, em troca de ideias no seio da família acerca de prendas que nos possam ser úteis e propiciar uma vida boa, acabamos a idealizar o que pedir ao Menino Jesus ou ao Pai Natal para se reduzir o sofrimento de milhões e milhões de seres humanos e para diminuir os riscos que nos afligem e atrofiam o futuro.

Rapidamente emergiram duas ideias-força a enquadrar a formulação dos pedidos: primeira, a necessidade de cada indivíduo - desafio que deixo a cada leitor - contribuir para a identificação de objetivos consensualizáveis e para a luta política (individual e coletiva) que nos possa colocar na utilização dos meios e das formas adequadas para a sua concretização, em respeito por valores universais e integridade da pessoa humana; segunda, a consciência de que, em termos temporais, será muito bom pensarmos à distância de uma geração por forma a ser possível trabalhar mudanças e transformações com alguma solidez. Ocorreu-me então, registar interpretações de elementos de três gerações presentes quanto ao que será preciso fazer para o percurso até 2040 não constituir a passagem de grandes impasses a tragédias.

A resposta de uma mulher jovem de 45 anos veio quase de imediato. Começando por citar um autor de que não se lembrava, disse: "Para questões complexas, há sempre uma resposta simples, clara e habitualmente errada" e, nessa base, "arrisco que para isto avançar e o meu Mundo ser melhor, é preciso tratar da educação e da cultura que, por certo, ajudarão a que outras mudanças venham" e, para fazer o caminho de transformação "nos próximos 24 anos, há que garantir a participação de mulheres e homens de origens, idades, contextos, formações e condições diversas".

Questionei depois uma adolescente à porta dos 14 anos, que me respondeu "vou pensar no assunto". Foi até ao computador e enviou-me um pequeno texto em que afirma: "Em 2040 quero paz, mas sei que vai ser muito difícil porque os homens têm tantos desacordos que só param com mortes... mesmo assim faço os meus pedidos e, por isso, esta é a minha lista prioritária: que a educação chegue a todas as crianças e jovens do Mundo, que o dinheiro seja repartido igualmente entre ricos e pobres, que se utilize melhor as nossas ideias e tecnologias, principalmente em termos ambientais, que haja condições para que os jovens possam ter um futuro no seu país e não tenham de emigrar. Finalmente, gostava que nós, seres humanos, parássemos um bocadinho e começássemos a deixar o egoísmo de lado".

Eu, socorrendo-me do que observo a partir da minha vida vivida, da reflexão e estudo que a atividade profissional me exige, identifiquei um conjunto de bloqueios cuja resolução daria origem a longo rol de pedidos. Vieram-me ao pensamento os conflitos e guerras em curso e os dramas humanos daí resultantes; a contínua degradação da relação metabólica homem/sociedade/natureza a que se associam problemas ambientais, climáticos e energéticos ou a utilização pouco racional da terra e a ausência de soberania e segurança alimentares dos povos; as dimensões da "crise" económica e financeira e dos sistemas fiscais; certos desnortes na política e a fragilidade de valores para fazer face aos desafios que enfrentamos, desde logo, a necessidade de reforço do universalismo e da multiculturalidade, a urgência de perspetivas novas sobre o consumo, sobre reequilíbrios entre o individual e o coletivo ou ainda sobre a utilização das tecnologias em geral ou das biociências. Todo este enunciado torna difícil formular a minha lista de prioridades.

Contudo, talvez encontremos o essencial para os objetivos consensuais propiciadores de uma vida boa em 2040 se pegarmos no que a adolescente expressou. Ela pode não ter razão ao quase naturalizar o desacordo entre os homens, mas sintetiza muito bem o que é fundamental. O egoísmo impede-nos de desenvolver as capacidades de empatia e simpatia, virtudes a serem cultivadas se queremos ser uma sociedade capaz de dar passos no sentido dos desideratos comuns que, como observamos nas propostas dos três, não são difíceis de identificar. E um pouco de esforço no combate ao individualismo e na construção de identidade coletiva também ajudarão.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas