Durante a presidência portuguesa da UE realizar-se-ão várias cimeiras destinadas a aprofundar as relações da Europa com outras regiões e países do mundo. A primeira delas é a Cimeira UE-Brasil. Qual o sentido deste esforço de extroversão? O que esperar dele? O contexto europeu em que ele ocorre não permite grandes expectativas. Os acordos recentemente celebrados para sair do impasse causado pelo fracasso do tratado constitucional incluem a consagração dos limites da personalidade jurídica da EU - o que exclui a representação política internacional (na ONU, nos organismos internacionais) – e a redução substancial da agência diplomática em relação ao que estava previsto. Isto significa que durante muitos anos a UE não será um actor político global. Esta posição interessa sobretudo aos EUA cuja hegemonia mundial tolera a existência de potências regionais, sejam elas a Europa ou a China, mas não a de outras potências globais.
Em face disto, é de prever que o relacionamento da UE com as outras regiões do mundo continue a centrar-se nos negócios, investimentos, ajuda e comércio, cooperando, de modo subordinado, com os desígnios políticos dos EUA em cada uma delas. A avaliar pelo documento que a Comissão acaba de remeter ao Parlamento Europeu, a Cimeira UE-Brasil seguirá esta lógica. À luz dela, o Brasil é um fruto duplamente apetecido. Mais que uma potência regional, o Brasil é uma potência inter-regional, dada a sua aliança estratégica com a Índia e a África do Sul no domínio do comércio internacional. Desta aliança resultou a paralisia da Organização Mundial do Comércio, onde a UE e os EUA têm seguido basicamente as mesmas posições. O motivo da paralisia é simples: estes países reivindicam que, se o comércio livre é para levar a sério, a UE e os EUA devem abrir as suas economias aos produtos dos países em desenvolvimento, o que até agora recusaram fazer. O Brasil surge assim como um importante parceiro de comércio bilateral quando o aprofundamento do comércio global está bloqueado, ao mesmo tempo que se procura o seu apoio para um eventual desbloqueamento. Duvido que neste último caso haja algum êxito se não houver cedências importantes por parte da UE.
Em segundo lugar, o Brasil é um fruto apetecido pelo seu posicionamento face às mudanças políticas que estão a ocorrer na América Latina. Têm vindo a ser democraticamente eleitos governos que visam pôr fim a uma ordem económica internacional que permite a exploração desenfreada das imensas riquezas destes países para quase exclusivo benefício dos países mais desenvolvidos. Assim sucede com a Argentina, ao reduzir unilateralmente a dívida externa, e com a Venezuela e a Bolívia, ao nacionalizarem a exploração do petróleo e gás natural. O Brasil, além de ser a economia mais importante da região, é também o país politicamente mais pró-ocidental. Privilegiar a cooperação com o Brasil significa premiar a moderação e tentar isolar as experiências mais "extremistas", nomeadamente a Venezuela. Também aqui suspeito que a cimeira tenha pouco êxito, pois a lucidez da política externa do Brasil tem-lhe permitido defender a sua opção política sem quebrar a solidariedade com as outras opções que buscam atingir o que se considera ser um objectivo comum: melhorar o nível de vida das imensas populações excluídas.