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11-12-2016        Jornal de Notícias

Muitos olhos e ouvidos do Mundo estiveram, na passada quinta-feira, concentrados na conferência de imprensa em que o presidente do Banco Central Europeu (BCE) anunciou a orientação da sua política para o futuro próximo. Compreende-se que assim tenha sido. O destino do euro e potencialmente o da União Europeia (UE) dependem hoje, como nunca no passado, de decisões entregues ao Banco Central Europeu. Isso significa que as decisões políticas fundamentais na UE são tomadas por um organismo supostamente técnico e independente dos poderes democraticamente legitimados. O neoliberalismo quis retirar os bancos centrais da alçada do poder político para que a política monetária não ficasse refém de "decisões oportunistas" de governos com maiorias parlamentares de circunstância. Conseguiu com isso colocar os povos e os países reféns de decisões não menos políticas e oportunistas de banqueiros centrais, sendo que estes estão isentos do escrutínio público democrático e orientam-se sobretudo pelos interesses dos mercados.

O que em grande medida mantém à tona os países da zona euro com maiores dívidas e com sistemas bancários muito infetados, como é o caso de Portugal, tem sido a política monetária do Banco Central Europeu. O BCE tem vindo a comprar tempo, tentando a todo o custo manter o "status quo" reinante no centrão político europeu. Esse centrão já não tem na base a relação de forças que lhe deu origem, resvala continuamente para a Direita e para fora da democracia, e não será pela sua ação que o projeto europeu conseguirá futuro.

Recentemente, a atuação do BCE permitiu que os resultados do referendo em Itália não instabilizassem de imediato os mercados, mas não era com a proposta de Renzi (apoiada pelo BCE) de reduzir a proporcionalidade, de centralizar o poder e de provocar a erosão da democracia que se iam resolver os problemas daquele país. A bomba está por desarmadilhar e pode atingir toda a UE. Não é a atuação do BCE que pode travar o perigo fascista latente em vários países da União.

A social-democracia surge em eclipse total. A cedência contínua ao poder económico-financeiro e ao neoliberalismo, a incapacidade de romper com a cartilha de reformas liberais do mercado de trabalho e de construir um discurso e um rumo autónomos transformaram-se numa armadilha letal e não há políticas do BCE que possam resolver este desastre. Em cada país e no conjunto da UE, as soluções serão políticas, elaboradas a partir de propostas programáticas e de compromissos entre as forças progressistas e toda a Esquerda.

As decisões tomadas na quinta-feira pelo BCE - que não podem ser analisadas à margem das delicadas situações políticas dos países - indicam que não há muito mais tempo disponível no "mercado". Prenunciam o início da inversão da política expansionista ou "acomodatícia", como preferem dizer os banqueiros. Objetivamente, elas reforçam os limites para a compra de dívida pública portuguesa, pois mantêm os mesmos limites para o montante total das compras, quando esses limites estão a caminho de ser atingidos, e um menor montante de compras mensais.

Portugal não pode passar muito mais tempo sem debater e sem decidir o quer e o que não quer da União Europeia. Tem de decidir se quer bater-se por uma reestruturação justa da dívida que lhe permita desenvolver-se, ou se quer recuar e submeter os portugueses a uma gestão da dívida à custa do aumento constante de impostos, de cortes e mais cortes nos direitos sociais fundamentais, nos salários, nas pensões, nos serviços públicos.

Os portugueses têm o direito e o dever de decidir se querem participar na credibilização de uma UE com rumo sem futuro, fazendo parte do "núcleo duro" de uma União Política antissolidária e sem coesão, que desvaloriza o trabalho e privatiza os bens públicos, onde predominam os interesses e as estratégias nacionais de um só país e seu núcleo de proximidade, ou se quer uma reconfiguração do euro e uma UE onde o bem-estar, a segurança e as escolhas democráticas dos cidadãos se sobreponham aos ditames da moeda forte.

Temos no país uma boa solução governativa a que se exige ação na questão europeia, na reposição de normalidades no setor financeiro, na economia e no trabalho.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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