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02-07-2009        Visão
No momento em que escrevo, os portugueses dispõem de duas visões muito diferentes sobre como sair da crise em que nos encontramos. De um lado, o "manifesto dos 28"; e, do outro, o "manifesto dos 52";. Para o primeiro, a solução é limitar o endividamento, o que implica uma drástica redução do investimento público, fonte de muitos males, sendo os maiores o TGV, o novo aeroporto e as auto-estradas. Para o segundo, a prioridade é a promoção do emprego e a capacitação económica, o que implica um forte investimento público (não necessariamente nos projectos referidos) pois só o Estado dispõe de instrumentos para desencadear medidas que minimizem os riscos sociais e políticos da crise e preparem o país para a pós-crise.

As diferenças entre os dois documentos são, antes de tudo, "genealógicas";. O primeiro é subscrito por economistas, a grande maioria dos quais ocupou cargos políticos nos últimos quinze anos, e colaborou na promoção da ortodoxia neoliberal que nos conduziu à crise. O segundo é subscrito por economistas e cientistas sociais que, ao longo dos últimos quinze anos, tomaram posições públicas contra a política económica dominante e advertiram contra os riscos que decorreriam dela. À partida há, pois, uma questão de credibilidade: como podem os primeiros estar tão seguros do seu saber técnico se as receitas que propõem, descontada a cosmética, são as mesmas que nos conduziram ao buraco em que nos encontramos e em cuja aplicação participaram com tanto desvelo político?

Mas as diferenças entre os dois documentos são mais profundas que a descrição acima sugere. Separa-os concepções distintas da economia, da sociedade e da política. Para o manifesto dos 28, a ciência económica não é uma ciência social; é um conjunto de teorias e técnicas neutras a que os cidadãos devem obediência. Pode impor-lhes sacrifícios dolorosos - perda de emprego ou da casa, queda abrupta na pobreza, trabalho sem direitos, insegurança quanto ao futuro das pensões construídas com o seu próprio dinheiro - desde que isso contribua para garantir o bom funcionamento da economia entendida como a expansão dos mercados e a lucratividade das empresas. O Estado deve limitar-se a garantir que assim aconteça, não transformando o bem-estar social em objectivo seu (excepto em situações extremas), pois mesmo que o quisesse falharia, dada a sua inerente ineficiência.

Pelo contrário, para o manifesto dos 52, a economia está ao serviço dos cidadãos e não estes ao serviço dela. Os mercados devem ser regulados para que a criação de riqueza social se não transforme em motor de injustiça social. Enquanto o bilionário Américo Amorim não terá de cortar nas despesas do supermercado apesar de ter perdido montantes astronómicos da sua imensa riqueza, já o mesmo não sucederá com o trabalhador a quem o desemprego privou de umas magras centenas de euros. Cabe ao Estado garantir a coesão social, accionando mecanismos de regulação e de investimento para que a competitividade económica cresça com a protecção social. Para isso, o Estado tem de ser mais democrático e a justiça mais eficaz na luta contra a corrupção.

É de saudar que haja opções e que os portugueses disponham de conhecimento para avaliar as consequências de cada uma delas. Em tempos eleitorais é importante que saibam que não há "uma única solução possível para sair da crise";. Há várias e estas, sem deixarem de ser económicas, são sobretudo sociais e políticas. Contudo, o pluralismo, para ser eficaz, tem de ser equilibrado em sua publicidade. Anoto, sem surpresa, que apesar de vários jornais de referência terem dado voz equilibrada aos dois manifestos, o mesmo não sucedeu com o Público, cujo director nos brindou com um comentário ideológico e auto-desqualificante contra o manifesto dos 52. Este proselitismo conservador tem muitos antecedentes - quem não se lembra da grosseira apologia da invasão do Iraque e da demonização de todos os que se lhe opunham? - e talvez por isso este jornal tenha os dias contados enquanto jornal de referência.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos