A minha coluna, intitulada "A Esquerda é Burra?";, suscitou polémica entre alguns sectores de esquerda. Fui acusado de apelar ao voto útil no PS e, mesmo, de incoerência, dadas as minhas conhecidas simpatias pelo BE. Uma acusação injusta. Fiz um tal apelo apenas no caso das eleições para a CM de Lisboa, mas nunca em geral e explico porquê. Como referi, sócio-eleitoralmente, os portugueses têm sido maioritariamente de esquerda e, em sua esmagadora maioria, não são filiados em nenhum partido, sendo uns mais fieis às suas preferências partidárias que outros. Penso ser uma responsabilidade dos políticos de esquerda tentarem meter-se na cabeça de tais eleitores e sobretudo na dos que têm fracas lealdades partidárias. É o que eu tento fazer, assumindo, com risco, que tal maioria sociológica de esquerda se vai manter.
Nestas eleições o eleitor comum de esquerda será um eleitor relutante mas haverá dois tipos: o relutante-desiludido e o relutante-esperançado. O primeiro está desiludido com as políticas do governo PS e não lhe perdoa que não tenha aproveitado a maioria absoluta para promover políticas de esquerda: diminuir as desigualdades sociais, fortalecer os sistemas públicos de saúde e de educação, proteger os direitos dos trabalhadores, garantir a sustentabilidade de pensões integrais, dignificar o Estado e lutar sem quartel contra a corrupção. A crise devia ter dado ainda mais urgência a estas políticas, financiadas por dinheiro público que não devia ser desbaratado a salvar bancos corruptos. Este eleitor precisa de razões para não votar na direita mesmo que, para ele, o PS, apesar de tanta cedência à direita, não seja a direita. Tem de ser convencido que a direita continua a ser o adversário principal por quatro razões. Primeiro, quando esteve no poder não mostrou melhor "sensibilidade"; em qualquer daquelas políticas, bem pelo contrário. Segundo, tudo leva a crer que agora será pior, pois contará com o respaldo de um Presidente de direita. Terceiro, custa imaginar um governo probo quando o corrupio televisivo de ex-ministros de direita envolvidos na corrupção parece não ter fim. Quarto, é falsa a simetria entre a direita e a esquerda. Quando está no poder, a direita tem dois poderes: o poder político e o poder económico; quando está na oposição, a direita cede o poder político à esquerda mas continua a ter o poder económico. Exerce-o de duas maneiras: influenciando indevidamente os governos que se deixam indevidamente influenciar, como aconteceu com o governo PS; dispondo do poder dos media que hoje são, em todo o mundo, o grande partido-travão das mudanças sociais progressistas.
O eleitor relutante-esperançado é aquele para quem, apesar de tanto desatino, a esquerda é plural e não esgotou as possibilidades de renovação. Para ele, não é uma fatalidade que a esquerda se deixe armadilhar numa de duas posições, ambas becos sem saída: render-se sem luta ao poder económico da direita; ou, quando luta, lutar mais renhidamente no seu seio, entre várias opções de esquerda, do que contra a direita. Este eleitor tem de ser acima de tudo convencido de que o seu voto na esquerda não será perdido. Quer votar no partido que lhe garanta mais possibilidades de renovação (ou porque é mais novo ou porque é renovável) mas não pode imaginar que uma maioria sociológica de votos de esquerda venha a redundar num governo de direita. Para ele, este resultado será devastador. Não será convencido pela ideia de que construir a unidade de uma esquerda verdadeira exige ainda algum tempo, mais processos eleitorais. Ele não vive no médio prazo e sabe que o dano que a direita fará ao já minguado Estado-Providência será desta vez irreversível. Os próximos tempos vão decidir o "destino"; deste eleitor-chave. Pode em eleições futuras não ser sequer um eleitor relutante-desiludido; pode mesmo ser um não-eleitor. Ou, pelo contrário, pode deixar de ser relutante e trazer para o seu campo da esperança os agora desiludidos. Tudo depende da visão dos políticos de esquerda.