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13-11-2016        Jornal de Notícias

Há momentos em que parece haver uma fábrica onde se cozem ideias pronto-a-vestir e empresas que as distribuem rapidamente a todas as casas. A respeito da vitória de Trump, são três as principais ideias deste tipo que os comentadores dos grandes meios de comunicação nos apresentam.

A primeira. Dizem-nos que, na realidade, a vitória de Trump não faz grande diferença, pois nos EUA existem contrapoderes capazes de garantir que o “sistema” funcione sempre de forma idêntica, independentemente de quem ocupa o posto de comando. Veremos se assim é.

Por certo, Wall Street, agora com reforço do poder dos banqueiros e a Goldman Sachs bem à cabeça, continuará a nomear os conselheiros económicos e os lugares chave da administração. A conceção imperialista e as atuações de intromissão abusiva e violenta do poder norte-americano noutros países não são novas, agora poderão alterar-se as prioridades e ser ainda mais brutal, mas para os produtores destas ideias isso é normal. Ao mesmo tempo escamoteiam ou secundarizam mudanças de maior significado. É que, não é mesma coisa desregular ainda mais o sistema financeiro e descer os impostos para os rendimentos elevados e as grandes empresas, ou deixar de o fazer. Não é a mesma coisa denunciar o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas ou cumpri-lo. Não é a mesma coisa deportar emigrantes ou deixar de o fazer. Não é mesma coisa pôr termo ao débil sistema de saúde pública criado por Obama, ou procurar melhorá-lo. Não é a mesma coisa liberalizar ainda mais o comércio de armas, ou procurar limitá-lo.

Trump sem dúvida significa mudança, significa aprofundamento do retrocesso face a todos os progressos conseguidos desde a 2ª Guerra Mundial. Trump adiciona ao poder de Wall Street novas e duras doses de violência, de autoritarismo e de ódio, e propõe-se utilizar instrumentos do Estado autoritário de que o poder da finança e dos negócios parece carecer para fazer face à “crise” incubada por esse mesmo poder.

A segunda. A ideia de que quem deu a vitória a Trump foi a “classe-média” e a classe trabalhadora, “brancas” e “iletradas”. Ora, de facto, o que deu a vitória a Trump, foi um voto muito transversal a todas as classes – dos 1% do topo que esperam ver os seus impostos ainda mais reduzidos, aos 1% da base que têm insatisfações fundadas e naturais desejos de mudança. Trump embora com demagogia e muita mentira, disse-lhes que vai reconstruir a indústria e criar novos empregos à custa de emigrantes expatriados. O que deu a vitória a Trump foi ter como adversária uma candidata enredada nas malhas da finança, da promiscuidade de interesses e do desrespeito por valores éticos, que personificam o cerne do status quo.

A terceira. Desavergonhadamente é-nos vendida a ideia de que Trump é uma das faces do “protecionismo retrogrado” que se opõe à “globalização” inelutável e progressiva, que está a retirar milhões de pessoas da miséria. A outra face deste protecionismo é a “extrema-esquerda”, dizem-nos. Para esses fazedores da “realidade”, tudo é “populismo”, no mesmo saco. Os factos mostram, entretanto, que a “globalização” de que se fala pouco mais é que um redesenho da divisão internacional do trabalho, muito sustentada em barreiras tecnológicas libertas de decisões políticas que as coloquem ao serviço das pessoas, e escoradas por direitos de propriedade intelectual reforçados. No essencial é um mundo divido por um muro que tem de um lado trabalho intensivo e sem direitos para muitos – Trump é um anti-sindicalista primário – e, do outro, “serviços” tecnológicos bem remunerados para uma minoria bem-sucedida e com uma massa de desempregados ou subempregados com cada vez menos direitos. Muitos destes já não são classificados de trabalhadores, mas sim de executores de atividades da “economia colaborativa”.

Enquanto o protecionismo de Trump é demagogia que serve o propósito de neutralizar o descontentamento e submeter as pessoas, a proteção social da esquerda, a busca de regras para a economia e valores éticos e morais para a política, são a resposta necessária a um poder do capital que se torna exorbitante e despótico, quando deixa de ter limites e fronteiras.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
protecionismo    trump    wall street