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06-11-2016        Jornal de Notícias

No contexto do debate do Orçamento de Estado e porque se aproxima o dia 1 de janeiro, está na ordem do dia a discussão sobre Salário Mínimo Nacional (SMN). As expressões de resistência a compromissos políticos inscritos no programa do governo - aumento previsto de 557 euros em 2017 - vieram de imediato das confederações patronais que apresentam um forte caderno de encargos em contrapartidas públicas, sejam elas a manutenção plena do quadro legislativo injustamente imposto aos trabalhadores em nome da crise, sejam benefícios vindos do OE, nomeadamente na área fiscal ou em contratos garantidos pelo Estado aos seus fornecedores.

O SMN tem por missão estabelecer um valor mínimo de retribuição do trabalho que garanta dignidade a todo o trabalho prestado e impulsione a valorização de todos os salários e, ainda, ser um contributo para uma melhor distribuição da riqueza. O SMN não pode configurar-se como prestação social que, de forma direta ou indireta, o Estado paga. O seu valor também deve corresponder a uma retribuição justa pelo trabalho prestado, o que em Portugal, em milhares e milhares de casos não é verdade: muito trabalho bem produtivo é remunerado apenas pelo valor do SMN.

A Constituição da República consagra-o como um direito enquadrado nos objetivos que enunciei. É nesse plano que as atualizações anuais devem ser vistas. Quando se discutem direitos é preciso encontrar formas de os sustentar, mas jamais se podem colocar como matéria passível de troca em qualquer negócio.

É impressionante a seletividade dos argumentos dos patrões, em particular quando falam de gestão económica. São “keynesianos” no investimento público de onde surgem os contratos que o Estado lhes propícia, mas não conseguem observar o benefícios que lhes traria a prazo um aumento do rendimento disponível dos mais pobres. Já para não falar dos ganhos de bem-estar físico e psicológico que se conseguem com a valorização dos trabalhadores, fator influente no aumento da produtividade. Certos discursos de pedinchice, feitos por alguns setores patronais, significam tão só um certificado de incompetência à sua capacidade de gestão e de organização da produção de bens e serviços. Patrões que veem o salário como mero custo, sofrem de uma miopia que não nos tranquiliza quando refletimos noutros domínios da gestão e em objetivos de desenvolvimento do país.

Não ignoro as dificuldades que atravessam muitas empresas, sobretudo de pequena e média dimensão, e da necessidade de compromissos entre o governo e os diferentes setores da economia para ultrapassar problemas, mas sei que não foram nem serão os salários ou a legislação laboral as causas das suas dificuldades. Basta observar os inquéritos do INE para vermos a falta de procura, a falta de clientes como principal problema. Porquê para alguns responsáveis patronais tais preocupações parecem não existir? Porque, uma resposta sistémica a este problema, exige dos nossos patrões compromissos públicos inequívocos, coragem e empenho no combate democrático para enfrentar grandes poderes internacionais, desde logo a nível da União Europeia. Preferem ir beneficiando de um trabalho desvalorizado – uma vantagem no curto prazo que será sempre um custo para a maior parte das empresas no longo prazo. Já vimos expressões limite deste filme, quando tivemos os banqueiros nacionais a clamar pela intervenção da troika, não percebendo que mais tarde iriam ser eles próprios vítimas.

Há que pôr de lado a trajetória do trabalho barato, da baixa produtividade e do aperto financeiro permanente para se poder perspetivar uma economia modernizada, com efetiva mudança estrutural nas cadeias de valor. Os trabalhadores que auferem o SMN em Portugal não são menos produtivos do que a generalidade dos seus congéneres europeus - que recebem bastante mais em termos de poder de compra - em sectores como as limpezas, a segurança privada ou a grande distribuição. A diferença produtiva entre seguranças ou cabeleireiros portugueses e alemães é nula.

Teremos um grande avanço quando os patrões, e não só, puserem de lado a barganha na discussão do SMN e a substituírem por visões estratégicas para o desenvolvimento do país.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva