Esta semana, o ministro das finanças alemão, Wolfgang Schäuble, uma vez mais se pronunciou sobre a política portuguesa e o rumo da nossa democracia, de forma particularmente violenta. Declarações deste tipo feitas por responsáveis políticos europeus são, no mínimo, indecorosas. Mas, tratando-se de um alto responsável do mais poderoso governo europeu, tais declarações configuram uma clara ingerência política de caráter imperialista sobre um país com quase nove séculos de história, maltratando um povo reconhecidamente trabalhador, respeitador e solidário que, ao longo dos séculos, algumas vezes se levantou, exemplarmente, contra tiranias e ditaduras. Os órgãos de soberania, utilizando fundamentos, formas e vias próprias da ação diplomática, têm de ser ativos no protesto junto do Estado alemão.
Por certo, o Senhor Schäuble teve em conta o facto de ter surgido em Espanha uma solução governativa que conta com a participação dos representantes históricos da social-democracia em posição de cócoras. Na sua perspetiva, Portugal ficou mais enfraquecido no rumo que procura seguir e vai daí toca a atacar. Mas as duas razões principais para, neste caso, fazer de nós saco de boxe são outras.
Primeira, todos sabemos e o ministro alemão também, que a trajetória económica e financeira seguida pelo atual governo de Portugal, se bem que com importantes inflexões em comparação com o governo anterior, continua a obedecer aos constrangimentos do Tratado Orçamental de forma mais acrítica do que o desejável. Dados recentes do INE mostram as monumentais perdas de poupança que a população mais pobre sofreu, ao mesmo tempo que os ricos ganharam com a crise. É essa receita que ele quer continuar a aplicar em Portugal. Em junho, Schäuble, quando questionado sobre a delicada situação do Deutsche Bank, dizia-se mais preocupado com Portugal para assim desviar as atenções dos problemas da economia alemã. Agora a motivação é outra, politicamente bem mais pesada para ele. Para Schäuble, alianças à esquerda construídas em torno de um discurso e programa anti-austeritário e mais solidário, têm de pura e simplesmente ser destruídas. O perigo de contágio assusta-o. É que hoje, na própria Alemanha, a perspetiva de uma coligação entre o SPD, Verdes e Die linke (a Esquerda) tem vindo a ser debatida, à imagem do que já aconteceu para o governo de Berlim.
A segunda motivação do senhor Schäuble diz respeito a outro forte combate político, mas fora de portas. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi anunciou que o défice orçamental italiano para 2017 não será de 1,8% do PIB, inicialmente previsto, mas sim de 2,3%. Renzi não é um “radical” de esquerda, e parte da política orçamental expansionista que defende serve para financiar reformas “estruturais” de cariz marcadamente neoliberal. Contudo, essa orientação está em colisão com as imposições de Bruxelas, patrocinadas pelo governo alemão. Portugal servirá a Schäuble como ameaça, mais ou menos velada, à orientação Italiana, país cujo tamanho e peso não lhe permitem dirigir os insultos que dirige a Portugal. O ministro alemão quer à viva força os portugueses subjugados e peados pelo medo, para com esse exemplo amedrontar alemães, italianos e europeus em geral.
Schäuble joga tudo numa UE dicotómica e neoliberal, submetida aos mercados e seus grandes interesses económicos e financeiros, em particular os da Alemanha. A instabilização da vida dos mais pobres, por forma a que estes não possam organizar-se e encontrarem rumo de desenvolvimento mais autónomo, é uma das armas da sua loucura, que poderá chegar à desestabilização de toda da UE.
É claro que um governo submetido a um contexto de guerrilha tende a concentrar a sua ação política nos problemas de curto prazo. Mas Portugal não deve ser mero espectador a tentar passar pelos pingos da chuva das políticas europeias e de um Tratado Orçamental cada vez mais obsoleto. O governo tem a obrigação de se engajar ativamente na definição de políticas estratégicas e no debate sobre a reforma dos tratados europeus, sob pena de perder legitimidade interna e externa.