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25-07-2016        Jornal de Notícias

No último mês sucederam-se acontecimentos que marcam um daqueles tempos históricos dramáticos, em que parece haver um ensandecimento coletivo. Entre esses acontecimentos, relevem-se: o ressurgimento do terrorismo internacional numa proliferação de formas, com os principais líderes políticos incapazes de desencadearem abordagens novas e coerentes do problema; a tentativa de golpe e contragolpe na Turquia, país de grande relevo no plano geoestratégico e potência militar, com a comunidade internacional fazendo denúncias incipientes da ditadura perigosa que ali se está a instalar; a presença em cena de atores políticos da extrema-direita como Donald Trump e o reforço deste campo político na Europa; a intensificação da militarização da Europa, por ação conjugada dos EUA e da NATO, num contexto em que a UE desbaratou toda a sua capacidade de relacionamento externo nas mais diversas direções; um “apagamento” significativo do problema dos refugiados quando nada está resolvido; a estúpida lateralização do processo decorrente da decisão do Reino Unido sair da UE, por parte dos principais dirigentes desta; algumas novas expressões de domínio do poder financeiro e do atrofiamento que este impõe às democracias.

A análise política que lemos e ouvimos, nos grandes meios de comunicação social, trata cada uma destas situações de forma isolada, enquanto os alinhamentos noticiosos alimentam um turbilhão de dramas. Neste cenário as pessoas sentem-se incapazes de agir na resolução dos seus problemas concretos e são conduzidas à sensação de caos iminente.

Sejamos “radicais” no sentido de “tomar as coisas pela raiz”, honestos e rigorosos na abordagem deste quadro. Cada um destes graves acontecimentos a que assistimos tem especificidades, mas há raízes comuns. E todos atentam contra a dignidade humana.

Na hiperglobalização das últimas décadas algo correu muito mal e o seu falhanço será, muito para além de outros fatores de cada realidade nacional, uma das principais causas dos dramas que estamos vivendo. Sem medos, esta realidade, deve ser enfrentada. O estilhaçamento do campo político do Estado-nação e dos espaços políticos nacionais de governação onde a democracia se exerce foi manifestamente visível desde o início da crise financeira internacional. Vale a pena lembrar que a profunda instabilidade política no Magreb e no Médio Oriente nasceu de uma ação política deliberada e gananciosa para desarticular países e poderes estruturados, dos efeitos de uma crise internacional que deixou milhões no desemprego e sem acesso a bens básicos. Na Europa assistimos durante anos à imposição da austeridade, à construção de Tratados ao serviço dos poderosos, à criação de mecanismos entregues a tecnocratas formatados pelo poder financeiro e pela cartilha neoliberal que, sem mandato popular, exercem a efetiva governação de países.

Face a este aparente ensandecimento coletivo, os poderes de facto desta hiperglobalização reagem com uma fuga para a frente, reforçando mecanismos e práticas que deram azo a este caos. “Patifes” do FMI têm o descaramento de afirmar que os problemas da banca portuguesa – grave à nossa escala, mas uma gota no quadro global – contaminam o sistema financeiro mundial. Os mandantes da UE andam entusiasmadíssimos com a possibilidade de se proporem, e pela primeira vez se poderem aplicar, sanções a Portugal e Espanha, enquanto insistem na adoção de novos acordos internacionais de comércio, como o TTIP, que reforçam o modelo neoliberal de livre-comércio, a austeridade permanente e o esvaziamento das democracias nacionais.

O projeto europeu chegou a um tal descalabro que, em tudo o que toca estraga. Temos de nos opor a este rumo. A questão central é dar vida à democracia, que jamais sobreviverá debaixo de estruturas e regras antidemocráticas, ou de governações sem mandato popular. É preciso devolver capacidades e competências às instituições e aos poderes dos espaços onde a democracia pode ser efetivada. Não abdicarmos do direito a ter emprego digno, combate à pobreza, mais justiça social e desenvolvimento humano. E de trabalhar para uma Europa de cooperação, de partilha solidária, de harmonização no progresso.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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