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10-07-2016        Jornal de Notícias

Logo, aí estaremos, a esmagadora maioria dos portugueses, incluindo centenas de milhares ou milhões de emigrantes, a vibrar com a final do campeonato europeu de futebol entre a França e Portugal. E “as finais são para ganhar”, diz-nos Fernando Santos. Será, por certo, um jogo muito difícil num tempo em que os portugueses têm pela frente a disputa de vários jogos espinhosos a exigirem consciência das nossas capacidades, objetivos ambiciosos mas pés assentes na terra, estratégia clara para potenciar as capacidades e evitar que explorem os défices que temos, coesão, espírito de equipa sem sacrifício dos valores individuais, estabilidade ativa, orgulho pelo que somos e determinação em vencer. É isso que o treinador da seleção tem dado à equipa, sacudindo a submissão das avaliações dos adversários que gostariam muito que contribuíssemos para o espetáculo, mas não estorvássemos os seus objetivos.

Gosto de futebol, mas sou pouco mais que leigo na matéria e incomoda-me a muita podridão e excesso de espaço que muitas vezes lhe é dado na abordagem noticiosa e de debate.

Fui desafiado a escrever e escrevi, há poucos meses, um pequeno artigo sobre o Mundial de 1966 (1) . Aí expresso a minha convicção de que nesse ano “no meio de muitas contradições também se geraram alguns grãos de esperança de vencer” e afirmo que “não se ganhou no futebol, mas oito anos mais tarde vencemos o campeonato do mundo da democracia e da paz”. Ao analisar este europeu, reflitamos também sobre aspetos do contexto que vivíamos nessa altura e, ainda, sobre o campeonato europeu de 2004, realizado em Portugal. São os três momentos mais relevantes do nosso futebol sénior. Observemos então o que marcava as nossas vidas e a situação do país, inclusive em algumas expressões do simbólico.

Quanto à qualidade das equipas, parto da consideração de que a de 66 era extraordinária e humilde, a de 2004 era muito boa, mas talvez menos humilde. A de 2016 é mais frágil, mas Fernando Santos introduziu-lhe importantes valores que referi atrás. Talvez nas caraterísticas das equipas possamos ver marcas da sociedade.
Em 66 a imagem de Portugal no plano internacional era péssima: eramos um país atrasado e preso a um “império colonial” irracional e totalmente fora do tempo. O povo vivia com imensa pobreza e amordaçado. Milhões eram forçados a emigrar. Os portugueses, alguns de forma heroica, lutavam com grande empenho por vitórias. O êxito do futebol deu um contributo para que a nossa existência e sofrimento se tornassem mais visíveis; reforçaram-se identidades fazendo desabrochar orgulho e confiança naquilo que somos capazes de fazer. Em 2016 felizmente estamos num patamar bem mais avançado de vida democrática, de relacionamento e cooperação com outros povos, mas também a necessitar de afirmar qualidades e de rechaçar tratamentos indecorosos a que temos sido sujeitos.

Num outro plano, podemos constatar que em 2004, de certa forma, quisemos fazer de ricos e até se construíram estádios que não se justificavam. Ainda andávamos no rescaldo da “bebedeira” de pertencer ao “pelotão da frente”. Gerou-se um grande entusiasmo em torno da seleção, talvez superficial se comparado, com a forma como se expressam em 2016 a esperança, a confiança, o querer vencer a partir daquilo que objetivamente somos.

O “interesse nacional” transmitido à equipa é o de ganhar! Chegar à final já é uma conquista e sabemos que tudo vai ser feito pelo treinador e jogadores para ganhar. E o futebol continuará, enquanto a nossa vida se joga em múltiplas modalidades.

Já sofremos muito com um resgate cuja origem teve no seu cerne – mesmo que não parecesse – a podridão bancária e os penaltis marcados contra o povo, por políticas de muito compadrio e promiscuidades. Há que vencer o jogo da limpeza ao sistema financeiro, antes que nos imponham um novo resgate.

Não somos pelotão da frente, mas temos valores e capacidades para, no final, chegar à vitória. Afirmemo-nos como somos. Sejamos capazes de sacudir as cargas de bom aluno que nos foram colocadas e vamos aos nossos jogos para vencer!

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(1)   Rodrigues, César; Pinheiro, Francisco (Coord.) (2016), Mundial, 66 Olhares. Porto: Edições Afrontamento.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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