Ontem, dia 2 de abril, a Constituição da República Portuguesa (CR) completou 40 anos. Por certo, vai tornar-se, já no próximo ano, a Constituição do nosso país com vida mais longa. A sua maturidade tem sido suficientemente testada e continua a apresentar-se com uma atualidade e modernidade extraordinárias. Uma revolução plenamente participada pelos povos, como aconteceu com o processo iniciado em Abril de 1974, tem essa extraordinária capacidade de desencadear profundas transformações sociais e políticas, de gerar compromissos coletivos que podem ser seguro ancoradouro do caminho futuro das sociedades por muitas e muitas décadas.
Os anseios de liberdade, de progresso, de justiça, de um amplo e moderno conjunto de direitos políticos, cívicos, económicos, sociais e culturais, o empenho na construção de uma democracia sólida marcaram a enorme mobilização dos portugueses e geraram dinâmicas e relações de forças transformadoras. Esse processo criativo foi bem interpretado pelos deputados constituintes, que o plasmaram em Lei Fundamental e em fonte privilegiada de direito para o "conjunto das regras reguladoras das relações sociais".
As múltiplas alterações a que foi sujeita ao longo destes 40 anos - algumas de grande alcance para facilitar a plena organização capitalista da nossa sociedade, ou para nos integrar e "submeter" na União Europeia - não descaracterizaram, no fundamental, o seu cerne. No passado recente, aCR foi determinante para travar golpes ainda mais brutais que aqueles a que fomos sujeitos no campo dos direitos sociais fundamentais. O Tribunal Constitucional (TC), interpretando-a, travou a "fundamentação racional" das inevitabilidades da cartilha neoliberal do Governo da Direita. O argumentário arrasador que procura sobrepor as contingências da "realidade" económica e financeira aos direitos fundamentais dos cidadãos - e os direitos sociais também o são - não tem acolhimento na nossa CR. Por isso, apesar dos tremeliques do Tribunal, é agora mais claro que os direitos sociais fundamentais não "se encontram à livre disposição dos titulares do poder político". Um outro importante registo da intervenção do Tribunal Constitucional foi o facto de a travagem por ele imposta às pretensões inconstitucionais do Governo ter sido o elemento que propiciou alguma melhoria da situação económica do país.
A parte dogmática da nossa CR situa-se, como acontece nas constituições mais modernas, nas expressões do social, valorizado por forma a ser possível responder às crescentes preocupações das pessoas. Entretanto, "As tarefas fundamentais do Estado" e as "Incumbências prioritárias do Estado" que a CR consagra identificam, com excecional riqueza, as questões prementes de uma sociedade democrática projetada para o futuro, desde a salvaguarda da independência, a conceções sólidas de desenvolvimento, à afirmação da igualdade real, ou à obrigação de proteger o ambiente.
A CR é muito atual quando expressa, de forma inequívoca, a subordinação do poder económico ao poder político, ou pela forma eficaz e bem funcional em que estrutura a divisão de poderes e como aponta os equilíbrios necessários para a sua efetivação. Num tempo em que são muito delicadas as relações com a União Europeia, a quem cedemos soberania em nome de bondades e objetivos que podem estar profundamente em causa, é de enorme importância termos esta divisão de poderes consolidada, pois uma intervenção articulada, convergente e ativa dos órgãos de soberania facilitará a defesa dos interessas nacionais.
A CR é jovem e moderna quando não admite que o direito de alguns enriquecerem sem limite, se sobreponha ao direito universal dos portugueses à saúde, à justiça, ao ensino, à proteção e segurança social.
A efetivação dos conteúdos constitucionais relativos ao trabalho, ao emprego e à organização dos trabalhadores, assim como à organização económica, continuarão a ser base fundamental, não só para a existência de trabalho digno, mas também para um modelo de desenvolvimento económico moderno.
A brutalidade da ofensiva neoliberal que varre o país e a Europa, tornou a CR mais atual e mais importante para o nosso futuro coletivo.