O 25 de Abril foi mal digerido por largos setores da Direita portuguesa. Quase 42 anos depois, impressiona o refluxo gástrico pestilento que expelem depois de os portugueses, pelo voto, lhes terem retirado as condições fundamentais, que o Regime Democrático Constitucional estabelece, para que qualquer força ou conjunto de forças políticas governe.
Insultam as forças políticas que se recusam a fazer da minoria de direita uma maioria, desenterram cadáveres de lutas políticas passadas, mentem e esgrimem argumentos desfocados, com ódios que se julgavam ultrapassados. Vale tudo na sua azáfama antidemocrática e sofreguidão pelo poder, incluindo prejudicar o seu país, cuja identidade e soberania procuram diluir nos “compromissos europeus” e nas inevitabilidades do “mundo global”, para melhor camuflarem a traição.
Chega de inventar espantalhos para tentar impedir que o Partido Socialista governe com apoio dos partidos à sua esquerda. Chega de práticas indecorosas da Direita e de manobrismos do Presidente da República (PR). São claros os compromissos nacionais, europeus e internacionais que qualquer governo que agora se forme tem de cumprir. É urgente haver Orçamento do Estado para 2016; termos um governo representativo e com plenos poderes, a defender os interesses do país nas instituições europeias e a intervir responsavelmente no debate sobre a grave situação internacional, que os horrendos atos terroristas de Paris colocaram mais a nú; dar início a uma política de combate às desigualdades e às injustiças.
O Regime Democrático tem de se manter e nele todos os partidos políticos com representação parlamentar estão em pé de igualdade quanto ao direito de apoiar um governo ou dele fazerem parte. Quanto à confiança do povo e do Regime para com os partidos políticos, já tivemos a experimentação máxima: o CDS, apesar de ter votado contra a Constituição da República iniciou, há muitos anos, a concretização da sua “vocação” de partido do “arco da governação”. Será que qualquer tratado europeu, ou vontade dos mercados, vale mais que a Constituição da República?
Temos em Portugal excelentes jornalistas, mas há um conjunto de “formadores de opinião” e profissionais do jornalismo, instalados em grandes meios de comunicação social, que se limitam a cavalgar estratégias de poder, funcionando sob forma/ efeito de manada. Nos comentários, nas entrevistas que conduzem, nas colunas que escrevem, no ordenamento das grelhas informativas, torpedeiam princípios fundamentais do exercício do contraditório, introduzem ressentimentos pessoais, privilegiam convicções próprias (a esmagadora maioria é de Direita ou de um tímido centrão) de forma escandalosa.
Na Direita trauliteira e em muita desta gente que não quer a mudança democrática, não há preocupação com as fragilidades da Esquerda, mas sim medo de se provar a existência de alternativas e de o “governo das Esquerdas” poder ter êxito.
Provoca muita azia à Direita retrógrada e aos seus servidores, o facto de António Costa conseguir colocar valores de rigor, moral, ética e honra nas relações com o povo, em vez de os reservar para o exclusivo de compromissos entre grupos de poder, e de ser capaz de articular objetivos políticos com quem não faz parte do “arco da governação”.
Por questão de sobrecarga de agenda, escrevo este texto na sexta-feira (20) à noite. Não sei o que o PR dirá nestes dias. Será que Cavaco Silva já ouviu todos os “experimentados economistas” e todos os “experimentados gestores”, com quem partilha identidades e pensamento? E ainda irá ouvir aqueles trabalhadores prenhes de experiência e dotes empreendedores que ganham mais de 1 milhão de euros por ano? E será que vai ouvir o efetivo órgão de consulta do PR que é o Conselho de Estado?
Chega de arrastamento e de azedume. O PR não pode afrontar e catalogar indecorosamente os partidos e as forças sociais e culturais de que não gosta, não pode e não deve afrontar a Assembleia da República e muito menos fazer desse afrontamento instabilização do Regime Democrático.
É preciso arejar e desinfetar o palácio de Belém. A democracia merece-o!