A democracia não está descrita em um modelo ideal, é algo vivo, um permanente problema a resolver. É a insatisfação que a movimenta. Fala-se de crise da democracia ao mesmo tempo em que se reivindica “mais democracia”, “democracia real”.
Pippa Norris, em Democratic Deficit, demonstra que os efeitos distributivos da democracia aumentam o nível de exigência do cidadão frente ao que conquistou na política e no mercado.
O Brasil tem sido uma fonte abundante de inovações democráticas que trabalham nesse sentido. Alguns exemplos: Fórum Nacional da Reforma Urbana, Movimento Sanitarista, Fórum Social Mundial, Conferências de Políticas Públicas (combinando escalas locais, estaduais e nacional de participação) e, é claro, o carro-chefe das inovações brasileiras, o Orçamento Participativo (OP), hoje com mais de 3.000 exemplos no mundo e reconhecido como ferramenta para promover accountability, transparência, justiça social e descentralização.
Seja em Moçambique, Estados Unidos, Senegal ou Suécia, acompanhar a implantação do OP em contextos tão diferentes representou a confirmação da incrível adaptabilidade desse mecanismo de diálogo entre governo e sociedade. Cada lugar com sua marca, como foi na experiência de Fortaleza (2005-2012), com seu caráter deliberativo; regras decididas pelos cidadãos; promoção da inclusão de segmentos sociais discriminados e OP Criança.
Tem razão Pierre Rosanvallon quando fala do “mito do cidadão passivo”. Toda essa diversificação do repertório de ações dos cidadãos e grupos organizados nos mostra que a crise da democracia não trouxe imobilidade, trouxe experimentação. Era hora de reconhecer a contribuição “made in Brasil” para a prática democrática no mundo.
Porém, sem enxergá-la presa ao passado, como um modelo acabado, mas, ao contrário, ressaltando sua própria necessidade de renovação, reconhecendo – como indicado por Sintomer e Blondiaux – a permanente exigência de transformações, a sede de mais democracia que a própria democracia acaba por gerar.