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27-09-2015        Jornal de Notícias

Durante mais de quatro anos o governo PSD/CDS andou a “lixar-nos” sem dó nem piedade, convencendo meio mundo que se tratava de um ato libertador dos pecados que pretensamente havíamos cometido. Agora, neste novo concubinato PAF, fazem todas as piruetas explicativas da sua intrínseca bondade: juram que só nos sacrificaram porque outros os obrigaram; prometem-nos um futuro de dias felizes, se lhes dermos de novo as rédeas do poder.

Qual a magia do dia 4 de outubro, para que seja possível o milagre da mudança, quando as políticas que se propõem executar são as mesmas que impuseram até aqui, quando o contexto europeu e internacional não mostra desanuviamentos de realce? O fel passa a doce por obra e graça de quê? O sofrimento que sentimos era apenas o amargo inevitável do óleo de fígado de bacalhau, ou da aplicação de uma eficaz vacina? Os portugueses ensandeceram?

O facto de o governo chamar emprego a ocupações pontuais não faz delas emprego verdadeiro. O que é que o crescimento dos hospitais privados significa para a economia e para o direito dos portugueses à saúde? O aumento da despesa dos portugueses com seguros de saúde (63% em 10 anos) significa que melhorou o sistema de saúde, ou que as seguradoras tiveram brutais lucros?

Se há alguma dinamização da economia é porque o governo suspendeu a imposição de algumas medidas austeritárias neste aproximar às eleições, teve de cumprir as decisões do Tribunal Constitucional, começou a propagandear “o mais difícil já passou” e deu indicações à banca para apoiar o consumo. Os grandes problemas, internos e europeus, com que os portugueses e o país têm de lidar não estão, infelizmente, resolvidos.

Esta semana ficamos a saber que o buraco do Novo Banco no défice de 2014 coloca a dimensão do défice exatamente ao nível de 2011. Acoitados em práticas de manipulação e mentira, protegidos por pronunciamentos hipócritas de gente sem escrúpulos instalada na Comissão Europeia e pelos senhores dos “mercados”, que vivem da subjugação dos povos, Passos Coelho, Portas e C.ª vêm dizer-nos, com toda a candura, que não há consequências para os portugueses, que se trata apenas de um registo contabilístico.

Um Orçamento do Estado (OE) é, de facto, um somatório de registos contabilísticos. Um défice é sempre um registo contabilístico que tem em conta algumas despesas e receitas do Estado e que, com mais ou menos propósito, ignora outras. Muitas vezes o que é registado e o que é ignorado depende tão-só de conveniências políticas de quem faz os registos – o governo. Assim, também podemos dizer que o défice de 2011 é um registo contabilístico: de certa forma, podia ter sido outro.

O facto objetivo é que o défice de 2014 regista agora recursos públicos que foram canalizados para salvar o BES. Dizem-nos que é um empréstimo e que os fundos estarão de volta no futuro. Virão mesmo? Não! Nem regressarão estes, nem os outros milhares de milhões de euros resultantes de outros buracos escondidos e das compensações a clientes individuais e a grupos empresariais que tribunais portugueses e estrangeiros por certo decidirão.

Diz o governo que quem vai suportar os custos é o “Fundo de Resolução”, portanto serão os bancos e não os cidadãos a pagar. Mentira! A Caixa Geral de Depósitos é pública e neste processo perde por várias vias. E também já sabemos que é sempre o povo a tapar os buracos da banca privada.

Conclusão, o que foi feito agora sobre o OE de 2014 foi um registo contabilístico, mas de perdas futuras para todos nós. Esta fatura ser-nos-á apresentada em 2016 ou 2017 ou em mais anos. É mais sacrifício que se anuncia, não por termos andado a viver acima das nossas possibilidades, mas porque os banqueiros tiveram práticas ilícitas ao longo dos anos, porque os governos e partidos no poder conviveram bem com elas, porque os governadores do Banco de Portugal não desempenharam as funções fiscalizadoras a que deviam estar obrigados. Até o professor de finanças Cavaco Silva foi incapaz de cheirar as maroscas e roubos em preparação.

Pela democracia e pela melhoria do ambiente, é preciso desacoitá-los.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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