Os ingleses votaram, o Partido Conservador conquistou maioria absoluta, o Partido Nacional Escocês obteve uma vitória retumbante, as sondagens foram desmentidas pelo voto.
O que estará em marcha no Reino Unido (RU), com consequências na União Europeia (UE)? Que ilações podemos retirar para o próximo ciclo eleitoral português? Que riscos e desafios estão colocados aos povos europeus e, em particular, ao povo português?
No que diz respeito às sondagens, é verdade que elas falharam nas previsões dos resultados finais, mas podem ter sido mais eficazes do que nunca para os poderes dominantes. Foram-no, por certo, na gestação de medos perante o cenário de "ingovernabilidade" e de "probabilidade de outras eleições a curto prazo", que os comentadores políticos, e não só, repetiram incansavelmente.
Observemos outros fatores relevantes: i) o Governo de David Cameron desenvolveu, nos últimos tempos, políticas de distanciamento em relação à austeridade aplicada em grande parte do seu mandato; (ii) colocou o Banco Central Inglês a agir em favor da dinamização da economia e da criação de emprego, antes das tímidas medidas adotadas pelo BCE; iii) uma das promessas fundamentais da campanha eleitoral foi a da realização de um referendo para decidir se o Reino Unido continua ou não na UE; iv) Cameron mobilizou os ingleses contra políticas de efetiva solidariedade e acolhimento aos refugiados políticos e aos migrantes que atravessam o Mediterrâneo; (v) a campanha eleitoral dos Conservadores ingleses foi claramente contra uma UE solidária, uma UE de partilha de sacrifícios e de cooperação dos países membros em pé de igualdade.
As eleições no RU põem a nu vários e complexos problemas. Primeiro, a constatação de que está cada vez mais fechado o núcleo de países do euro, núcleo esse que funciona na base de uma ordem sustentada na força e na imposição de uma disciplina atrofiante para os países periféricos e mais frágeis. Segundo, essa coesão forçada é feita sobre dicotomias, surgindo como contrabalanço a possibilidade de existirem, fora do euro, realidades fragmentadas onde tanto poderá habitar um RU "independentista" como uma Hungria dirigida por pró-fascistas, como aberrações outras, adensando-se assim negras nuvens sobre toda a Europa. Terceiro, nesta nossa Europa e no contexto da globalização, o espaço nacional como insubstituível espaço de coesão e coerência de uma comunidade política, está profundamente instabilizado por identidades parciais (regionalismos) que se afirmam dentro dos países. Este fenómeno é de significativa expressão em muitos países europeus. Quarto, os fundamentos e valores do "Estado social" são crescentemente abandonados, a pressão sobre os custos do trabalho prosseguem e há uma certa aceitação de um recuo social e civilizacional, por parte das populações. Quinto, a social-democracia europeia sofre hoje de moribundez, está inibida e manietada por um enquadramento institucional, estrutural e programático da UE, de conceção neoliberal.
Em Portugal, há muito que o Governo da Direita e o presidente da República, assumindo como interesse nacional os poderosos interesses financeiros e económicos estrangeiros e nacionais, desencadearam uma tempestade perfeita contra o povo. A cada violenta trovoada que surge, os portugueses são convidados a protegerem-se debaixo da árvore que atrai as descargas - a santa árvore da austeridade.
O Partido Socialista vai dizendo que ficar ali é perigoso, mas passivamente rende-se às inevitabilidades", perdendo espaço e possibilidade de ação transformadora. É hoje preocupante observar que as distâncias programáticas entre a Direita e o PS se vão atenuado. E cresce o coro dos que aconselham António Costa a fugir de "radicalismos", a "não estragar" as propostas dos tecnocratas do centrão de interesses cujo trabalho científico é "oferecido" a um ou outro lado, apenas com nuances de forma.
Há quem pense que o fracasso destes rumos trará descontentamentos, revolta, alternativas, mas infelizmente ele pode acentuar a descrença e uma submissão prolongada. Há que tudo fazer para evitar a experiência.