Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
06-03-2015        As Beiras

Todos nós já nos cruzámos com elas: as nódoas negras, as fraturas, e a desculpa pronta: caí nas escadas, bati contra uma porta. Nos jornais, poucas vezes aparecem as suas histórias, ou só aparecem as histórias daquelas que foram mortas. Em Portugal, houve 40 mulheres assassinadas pelos companheiros ou ex-companheiros só em 2014.

Há algumas décadas, já distantes mas ainda na memória de quem tenha mais de 50 anos, explicava- se a permanência dessas mulheres em relações de violência pela sua dependência económica ou pelo estigma social que comportava sair de um casamento. Estas duas razões não terão desaparecido, mas terão agora menor peso. A violência doméstica configura crime público; as instituições de apoio à vítima são poucas, mas existem; há uma maior consciência do que constitui uma violação dos direitos humanos e muitas mulheres procuram sair dessas situações, umas vezes com sucesso, outras para serem assassinadas.

Se há uma maior consciência cívica, que razões podemos encontrar para a persistência do flagelo que nos choca e envergonha? Uma delas é com certeza a ideia perniciosa de que é da «natureza» do homem ter momentos de irracionalidade, ou «lutar com demónios», ideia defendida nas páginas deste jornal ainda há dois dias, em «artigo de opinião». Na prática, legitima-se a violência exercida por «eles» sobre o corpo «delas» como um direito «natural». Argumenta ainda o autor do artigo que estas questões são «absolutamente normais» e do domínio do privado, «segredos» da vida do casal que aí devem permanecer. Equiparadas, imagine-se, a manifestações de amor, numa citação de Pessoa que usa para justificar o que é crime.

De todos os argumentos para explicar e legitimar a violência o mais pernicioso é o do «amor», muitas vezes sob a forma de «ciúme». É pernicioso porque, se repetido muitas vezes, a própria vítima pode nele acreditar; tantas vezes repetido, o próprio agressor pode acreditar que é por amor que mata. Este «amor» não é mais que poder: de bater, de humilhar, de matar. Se não é admissível – e muito bem – a justificação pública de crimes de natureza racista ou homofóbica, porque aceitar que crimes de ódio contra as mulheres sejam assim defendidos? Eles matam, porque podem; e porque há ainda quem defenda que é «natural».


 
 
pessoas
Adriana Bebiano