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07-03-2015        Jornal de Notícias

Vários órgãos de comunicação social noticiaram que a EDP vai distribuir 1,040 mil milhões de euros de lucros. Se esta ainda fosse uma empresa pública, esses lucros constituiriam receita no Orçamento do Estado.

Tomando como base comparativa os gastos do Estado em rubricas importantes no ano de 2015, conclui-se que é um montante equivalente a mais de metade da despesa da Segurança Social em subsídio de desemprego, a cinco vezes mais que o Rendimento Social de Inserção ou, noutra ótica, a mais de um quarto do investimento público. Se a EDP ainda fosse uma empresa pública, Portugal poderia não ser um dos países da Europa com o preço da energia mais caro. Se a EDP fosse uma empresa pública não existiriam as tais rendas excessivas de que todos falam. Para onde vai o milhão e quarenta mil milhões? Quanto desaguará em investimento produtivo? Quantos empregos irá criar?

Segundo o jornal i, desde 2010 até 2014 os gestores e acionistas da PT levaram para casa 3,5 mil milhões de euros. Nesse mesmo período as remunerações dos trabalhadores da empresa diminuíram 5,3%, a remuneração fixa e variável dos administradores aumentou 19%. Se ainda fosse uma empresa pública, grande parte destes 3,5 mil milhões de euros poderia ter sido reinvestida na empresa, desenvolvendo-a e criando emprego e também podia ter ajudado a reforçar os orçamentos da saúde, da educação, ou da proteção social. Em vez disso para onde foram os 3,5 mil milhões de euros? Esse valor é pouco menos de metade do valor pelo qual foi vendida a PT.

Face a estes números astronómicos ocorre a pergunta: como é possível? Como é possível remunerar capitais de forma tão choruda, num país onde centenas de milhares de pessoas estão a enfrentar carências violentas? Acontece porque a “legalidade” instituída para que tudo isto seja possível, deixa bem longe a moral e a ética, porque nos conselhos de administração e assembleias gerais destas empresas o que conta, como critério de todas as decisões, é a valorização, o mais elevada e rápida possível, dos detentores do capital. As decisões que conduzem a estas imoralidades são privadas, mas os seus efeitos atingem a vida de cada cidadão e comprometem o nosso destino coletivo.

Este é o inevitável resultado de opções estratégicas do capitalismo neoliberal que nos sufoca e que, ao quebrarem todas as barreiras e limites, se transformou num sistema económico, não de produção, mas de predação. Entretanto, a entrega de milhões e milhões aos grandes detentores do capital não se fica por aqui. As práticas predatórias estão nos esquemas das PPP, nos negócios das swaps que no último ano terão acrescentado mais de 430 milhões de euros de prejuízos, nos saques “legais” que o sistema bancário, especialista na fuga ao fisco, consegue fazer.

Num mundo em que o capital é totalmente livre de se deslocar, os detentores do poder, para o seduzirem, estão sempre prontos a oferecer-lhe uma remuneração maior do que a concorrência. Sempre maior, nem que para isso seja preciso comprimir injustamente outras remunerações e restringir liberdades e direitos.

Neste mundo implacável, sem ética, ocorre perguntar: o que fazer? Talvez pensar em limitar a liberdade desses capitais sem terra, antes de limitar as liberdades e os direitos das pessoas. Talvez efetivar o direito a salários e pensões dignas. Talvez trazer de novo à agenda a taxação sobre as transações financeiras. Talvez fazer os capitais pagar portagem nas suas viagens, em vez de as cobrar tão excessivas nas SCUT, nos impostos de trabalhadores e pensionistas, nas faturas de energia, nas contas do telemóvel e do telefone. Talvez pensar em acabar com privatizações sem sentido como a da TAP, e, considerar mesmo a sério, a possibilidade de devolver à esfera pública posições determinantes na banca e algumas grandes empresas que hoje são privadas.

Uma economia onde o especulativo aniquila o produtivo, onde o dinheiro dos poderosos vale mais do que os bens e serviços necessários a uma vida digna para o conjunto dos cidadãos e em que a ética definha, é uma economia capaz de matar por mais um ponto percentual de taxa de lucro.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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