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10-01-2015        Jornal de Notícias

Se é verdade que estamos sempre a tempo de mudar, também é um facto que há situações em que os seres humanos, individual e coletivamente considerados, apesar de sentirem que prosseguindo no caminho em que se encontram desembocarão no precipício, não conseguem parar e muito menos mudar de rumo.

Face ao que observamos, neste início de 2015, a marcar o quotidiano das nossas vidas, é imperioso interrogar: para onde caminhamos?

Sentimo-nos horrorizados pela violência das expressões de loucura e atrocidade presentes nos repugnantes assassinatos cometidos no ataque ao jornal Charlie Hebdo. No plano mundial, assistimos a um recrudescimento de tensões e instabilizações nas relações internacionais. Na União Europeia (UE) constatamos o reforço de posições xenófobas e racistas, integrando dinâmicas fascistas mais profundas, enquanto os governantes receitam políticas neoliberais retrógradas que destroem solidariedades e esvaziam a democracia. No país começamos a deparar-nos com os efeitos duros da destruição do Sistema Público de Saúde, e a sentir, de forma gritante, que fomos enganados e roubados por uns quantos privilegiados, detentores de poderes desmedidos e corruptos, e por políticas mentirosas que se instituíram como inevitáveis.

Na análise aos dolorosos acontecimentos vividos em França, fala-se de “nova estirpe” de terrorismo, alerta-se para uma escalada de formas de expressão de violência que parece não parar, diz-se, também, que é “apenas a ponta do iceberg de um contexto internacional explosivo”. Na resposta a este acontecimento trágico, fazem-se apelos à unidade, à ação determinada e exemplar para que atos destes não se repitam e aprovam-se justas manifestações de repulsa, ao mesmo tempo que se expressa solidariedade com quem está mais de perto a sofrer.

Mas muitos porquês precisam de resposta. Haverá coragem, vontade e capacidade de “parar” para um exercício que nos coloque em rumos mais sensatos? Encontrar bodes expiatórios diretos, ou menos diretos, de pouco servirá. Estamos perante novas formas de terrorismo, ou estes atos situam-se além do que até hoje se definiu como terrorismo? Compreendemos, realmente, em que condições se desenvolve o terrorismo, dentro e fora das “nossas” fronteiras? E pode acantonar-se, no plano religioso, o que se vai definindo como islamismo radical? Como se podem combater e evitar estes atos ignóbeis se não analisarmos os campos em que se desenvolvem?

Tem havido, em particular ao longo da última década e meia, políticas de dilaceramento das sociedades. Milhões de crianças, jovens, pessoas em idade ativa e idosos são empurrados para becos que enlouquecem. E, os atos de “louco” não são interpretáveis a partir dos padrões e valores que harmonizam o funcionamento da sociedade.

O Mundo e os países não podem continuar a ser governados com a mentira como instrumento estratégico e contínuo de políticas. A quebra de solidariedades, o não respeito pelo Outro, a imposição de políticas injustas e violentas por poderes não legitimados, a subserviência dos políticos a meros interesses particulares, gananciosos e imorais de acumulação de riqueza e poder, desestruturam e tornam disfuncionais as sociedades.

Muitos dos apelos, à partida justos, feitos por dirigentes políticos na reação imediata a este ato bárbaro em França, como em relação a outros, são inevitavelmente fragilizados porque partem de quem, em muitos casos, é responsável ou corresponsável por hediondos crimes contra milhões de seres humanos.

Não são apenas estes os gravíssimos problemas que nos obrigam a dizer: pare-se enquanto é tempo. O rumo da UE é cada vez mais preocupante. A Alemanha insiste em salvar o euro essencialmente à custa do brutal sacrifício dos povos do Sul. O povo grego vem sendo insultado e provocado face ao “atrevimento” de dizer que têm direito a definir o seu futuro. Estas políticas acumulam problemas.

No plano nacional os números do desemprego mostram que a fraude e a batota estatísticas têm limites. É preciso travar o desemprego e a redução dos salários e combater a pobreza. É repugnante termos mortes porque, para “poupar”, se eliminam as capacidades do serviço de saúde.

Já ontem era tarde para parar e mudar de rumo.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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