Em três anos, de junho de 2011 a junho de 2014, a dívida pública cresceu 18%, situando-se em 225 mil milhões de euros. Temos uma dívida cada vez mais pesada e debilitante. O que em 2011 era um elefante passou a mastodonte, transfigurando-se a cada dia num monstro atravessado nos caminhos do futuro de gerações.
A dívida suga-nos direitos e dignidade, esmifra as condições económicas e de vida, esvazia a democracia e as liberdades. Insistir na necessidade de se pagar tudo até ao último tostão, debaixo das condições de usura que nos são impostas, é uma loucura.
No próximo dia 16 de dezembro a Assembleia da República (AR) irá discutir a dívida pública. Não o fará por iniciativa da maioria que ali se expressa e governa, mas porque foi incomodada por petições que lhe foram dirigidas exigindo que o Estado se prepare para a reestruturação da dívida. Não o faz para dar início ao processo de preparação da reestruturação que lhe foi pedido. Fá-lo porque o mastodonte é demasiado grande para ser escondido debaixo das passadeiras de S. Bento. Vai ser uma discussão incómoda para larga maioria dos deputados, mas terão de se habituar porque este debate será apenas o início de um processo que outra composição da AR há de desenvolver.
O problema das “dívidas soberanas” esteve em análise na Assembleia Geral das Nações Unidas no passado dia 9 de setembro. A Assembleia Geral aprovou nesse dia, sob proposta da Bolívia e com o apoio de 77 países “em desenvolvimento” mais a China, uma resolução “para o estabelecimento de enquadramento legal multilateral para processos de reestruturação da dívida soberana”. Esta resolução vincula a ONU a incluir, até final de 2014, a problemática das dívidas soberanas na sua agenda de reformas para o sistema financeiro e a contribuir para preencher o vazio do direito internacional a respeito de reestruturações de dívida, impedindo, nomeadamente, que alguns credores conhecidos como fundos abutres, possam por em causa processos de reestruturação bem-sucedidos. Votaram a favor 124 países; os EUA e outros dez países votaram contra. Portugal absteve-se com quarenta outros. A abstenção de Portugal é o reflexo da sua submissão a interesses de outros e ao espantalho dos “castigos do mercado”.
Na recente reunião do G20, realizada na Austrália, estes “poderosos” sentiram necessidade de, face àquele movimento internacional, afirmar que é preciso um sistema financeiro mais sólido e equilibrado, que favoreça o crescimento e o desenvolvimento sustentável.
Durante as próximas semanas interessa estarmos mais atentos à questão primordial da política nacional que é a discussão da dívida. Há que tudo fazer para que o debate na AR não seja mera formalidade. Por certo alguns Grupos Parlamentares e deputados vão ser ofensivos. Mas o debate não pode ficar aí fechado. Exatamente para o alargar, a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública (IAC) promove no dia 17 às 18.30, na Casa da América Latina, um debate sobre as experiências de reestruturação. Seria muito bom que a comunicação social não perdesse este momento e contribuísse para expor na praça pública o monstro que ameaça espezinhar os mais básicos direitos humanos em nome de interesses egoístas de credores financeiros. As iniciativas devem multiplicar-se. O tema terá de estar nas prioridades da agenda eleitoral que vamos viver.
Nem o mastodonte pode ser escondido, nem a reestruturação da dívida cairá do céu ou chegará a tempo se o ritmo for o que a União Europeia (UE) determina. É preciso levar o bicho a Bruxelas. Ele tem de ser largado em Londres, Paris e Frankfurt. A meia Europa que está a sufocar – Portugal, a Grécia, a Irlanda, a Itália e a Espanha – não pode esperar nem desistir dos instrumentos de que dispõe no combate que opõe Direitos Humanos e Dívida. É preciso preparar a reestruturação para tomar a iniciativa. O monstro não pode continuar à solta.
Salvaguardando a nossa soberania e independência, no quadro da condição de membros da UE, precisamos dos meios que geramos, do aproveitamento das nossas capacidades e cultura para nos desenvolvermos. Será a UE a ficar sem futuro se negar aos países os seus projetos próprios de desenvolvimento.